O JARDIM
Rangel Alves da Costa*
Desde o início do outono que os portões do jardim estavam fechados. Não havia mais família morando ali nem jardineiro zelando por aquele encantador pedaço da natureza. Quando os cadeados foram colocados nos portões a ventania outonal já soprava preparando as folhagens para sua futura queda.
A fonte era apenas um espaço encoberto de folhas encharcadas e num marrom esquisito; os três bancos de madeira há muito não recebia qualquer visitante, a não ser passarinhos e folhagens que se acumulavam de cima a baixo; as pequenas e curtas veredas, os caminhos entrecortando canteiros e os passos sulcados por cima das gramíneas agora estavam quase irreconhecíveis. Tudo era verdadeiramente abandono, tristeza e desalento.
As árvores graúdas, sem terem suas ramificações e galhos aparados, pareciam espécies da mata, crescidas demais para o tamanho do ambiente e se estendendo desnudas, ossudas, secas, sobre as outras plantas, as outras espécies que também se avolumavam sob a sorte do tempo. Bastaria uma podagem ali e tudo voltaria ao encanto tão conhecido e acolhedor. Mas não, apenas fecharam os portões e deixaram lá o jardim no seu entristecimento.
Quando as forças do outono chegaram de vez, a cada entardecer um mundo de folhagens se desprendia e logo ao amanhecer tudo parecia tomado de amarelo, marrom, ocre, cinzento. E só mesmo as ventanias ao longo do dia para ir limpando mais os ambientes, afastando os entulhos secos para os cantos do muro, mas ainda assim as ramagens se espalhavam por cima dos canteiros e pareciam sufocar as espécies ali existentes.
Beija-flor, por favor afaste essas folhagens de cima de mim senão vou ficar sufocada e pálida, feia e sem ver nada ao redor, e o pior é que você não poderá nem me beijar. Gritava a roseira ao passarinho que voltava ali para sua visita diária.
Agora não posso não, pois primeiro tenho de tirar de cima do girassol aquela folhagem toda, sob pena do bichinho não ser mais iluminado pelo sol e morrer. Se puder esperar eu volto, mas apenas para fazer um favor, pois nem flor bonita e cheirosa você tem agora.
O passarinho voou em direção ao girassol que parecia já estar nos últimos momentos de vida, porém antes de alcançar seu destino a inveja e a maldade tentaram impedir seu percurso. Eis que a violeta despeitada com a enferma planta assoviou para o beija-flor e disse que sabia onde tinha uma bem-te-vi esperando-o bem naquele momento, pronta para voarem em busca dos mais belos jardins para beijarem as flores mais adocicadas.
Ora, eu sei o que é o amor, mas ainda assim, nesse momento, a paixão deve saber esperar. Acredito no bem que pode trazer o amor, do mesmo modo creio no bem que a gente pode fazer ajudando um pobre girassol que está morrendo por não poder ter o sol girando na sua face, no seu corpo, inundando a sua vida de renascimento e esperança.
Uma pedra que estava ao lado desde que ali ainda nem sonhava em ser jardim, jogou uma pedrinha em direção à violeta ao mesmo tempo em que pediu que o passarinho se apressasse para ajudar a quem estava precisando. Depois, se voltando para a planta enfurecida, foi falando sem medo do que poderia ouvir depois.
Olhe pra mim sem raiva, sem ódio e sem revolta e me veja apenas como uma pedra, pois é isso que sou, apenas uma pedra. Por muito tempo, e fato que continua até hoje, vivem dizendo da minha impassividade, da minha dureza, do meu constante silêncio, da minha insensibilidade. E tudo porque sou pedra e tenho jeito de pedra, coisa que não poderei mudar nunca.
Mas sou pedra com sentimento sim, e muito mais do que todos imaginam. E isso pode ser provado no que sei o que sou e no fingimento que nunca tive, diferentemente da beleza de uma planta que esquece sua doçura, pureza e sensibilidade, para querer prejudicar outra planta, e talvez por ciúmes.
E a pedra continuou dizendo que o girassol àquele momento já deveria estar salvo e já buscando forças para brilhar novamente, diferentemente dela, da violeta, que parecia não ter se olhado no espelho naquele dia e enxergado o que o outono havia feito com a sua beleza.
Por fim disse que se ela quisesse iria ficar ao seu lado ao menos naquele dia, como pedra que impede que a ventania alcance a violeta na sua fragilidade e a transforme em entulho de jardim. Ouviu a planta chorar e também chorou por dentro.
Mas o choro de pedra é tão forte e tão intenso, num sentimento tão verdadeiro, que por baixo dela vai se formando um veio, uma verdadeira poça de água, alimentando as raízes das plantas ao redor, principalmente da violeta.
E tudo sem orgulho algum, apenas no sentimento da pedra.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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