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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DECADÊNCIA (Crônica)

DECADÊNCIA

                                      Rangel Alves da Costa*


O progresso da civilização, contraditoriamente, reflete o seu estado de decomposição social, o seu declínio, a sua decadência. Significa que os avanços não permitiram melhorias na vida em sociedade, sob os mais diversos aspectos.
O conceito de decadência deixa indubitável tal entendimento. Pode ser o ato ou efeito de cair num estado ou condição inferior ou pior, se aproximando do fim ou da ruína; é deterioração ou degeneração, num visível declínio ou enfraquecimento, daquilo que perdeu sua força ou sua razão de ser.
Decadência seria, por exemplo, a morte de uma cultura, o crepúsculo da razão, o declínio do respeito ao próximo, o ocaso da esperança, a queda da moral. Num exemplo maior, pode-se afirmar que a decadência da importância familiar leva à degeneração da obediência da prole.
Contudo, nas coisas mais simples e rotineiras pode-se perceber o estágio de absoluta decadência dos valores morais, éticos, sociais e religiosos, dentre outros fundamentos da existência humana. O ser humano parece ter perdido sua condição de responsabilidade enquanto ser social, seus valores e suas condutas, seu significado perante a vida.
Ora, se diz por aí que um velho é apenas um velho, ou pessoa como outra qualquer, só que com mais tempo de vida. Daí não ser preciso levantar e oferecer o assento para o seu repouso, ajudá-lo naquilo que for preciso na sua lide diária, dar ouvidos para não ter que suportar conselhos e recriminações.
O pai quer impor respeito na casa, não mais através do exemplo dado e sim pela força, pela tentativa de submeter os seus à escravidão paternal. Em constante atrito com a esposa, deseja que o filho seja exemplo de pacificidade e respeito ao próximo. Xinga a esposa, que o esculhamba, quer jogar no filho a raiva que tem, e este, em contrapartida, não reconhecerá a legitimidade dos pais nem os respeitará nas decisões que queira tomar.
A vida do outro não vale realmente nada, qualquer coisa e começam as confusões, as ameaças, os xingamentos, as agressões, as tentativas, as afetações. Por uma coisa de nada, verdadeira besteira, encrenca de pouca monta, e então vai se armar com tanques de guerra, metralhadoras, mísseis, revólveres, baionetas, facas e facões. E por essa besteira, por esse nada, uma lesão corporal, uma tentativa de homicídio, uma morte. E tudo na absoluta normalidade, como um inseto que é pisado e os restos vão sumindo escondidos debaixo das botas.
Jovem, juventude, mocidade, adolescência, quanta decadência. Abrindo as portas e tomando o mundo, pegam nas rédeas do destino e seguem pelos descaminhos. Por onde seguirão se não conhecem mais a moradia do respeito, do pudor, do recato? Mesmo que exista uma estrada de sol, um caminho florido e seguro, certamente seguirão em busca dos labirintos, das pedras e espinhos, de tudo aquilo que façam correr perigo, que corrompa suas esperanças, que matem os sonhos bonitos de sua idade.
Um amigo se indigna pelo que outro amigo fez e se pergunta o que deverá esperar do inimigo. Acreditava no outro, acreditava no próximo, confiava no ser humano, até que soube da falsidade, da mentira surgida para denegrir, da aleivosia plantada por ciúme, da calúnia sustentada na sua ausência, na covardia em negar que fez quando tudo já produziu seus efeitos. E não demora muito para o falso voltar de bom moço e querer replantar a amizade destruída para colher novos frutos da destruição.
Após o jantar a família reúne-se diante da televisão para ver cenas de sexo explícito na novela; a menina telefona pra colega e diz que está com os lábios inchados de tanto beijar bocas desconhecidas na festa de ontem, já outra diz que transou com um e esqueceu até de perguntar o nome; o padre que celebra missa, casamento e batiza criancinhas, mais tarde tira o hábito e reveste-se de outro triste hábito, que é molestar jovens; o velho andante de bordel em bordel enfim encontra sua filha num deles e se espanta porque tinha certeza que ela estaria estudando àquela hora; o político fala e todo mundo acredita.
Não existe maracutaia, roubo ou corrupção. É a palavra do povo, e há que se acreditar nele. É assim que ele quer, e é isso que ele tem.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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