UM BODE VELHO (E MALCHEIROSO)
Rangel Alves da Costa*
Bode é bode, não há o que fazer. Com o tempo, vira pai-de-chiqueiro, quer mandar demais, e aí é o seu fim. É triste, mas é sua sina ficar mais imprestável, desonesto e malcheiroso com o passar do tempo. Enquanto os outros animais aprendem e se tornam menos vaidosos e menos desonestos com a idade, com o cabrão é diferente, pois o tempo parece lhe chiqueirar tudo que de bom fez um dia.
Talvez o mal daquele bode seja nunca ter aceitado ser igual aos outros animais que viviam ao redor, no mesmo cercado e em torno dele. Um dia um cachorro chegou perto de onde estava e disse que não sabia por que ele nunca descia do seu pedestal, ao mesmo tempo metido a besta e precisando dos outros bichos, desde o magricela preá ao touro puro sangue.
E disse ainda que por mais besta que ele quisesse ser nunca ia deixar de ser bode. E bode velho e malcheiroso como outro qualquer, um mamífero herbívoro ruminante cavicórneo pertencente à família dos bovídeos, subfamília dos caprinos.
Quando quer enganar solta balidos e bodejos, mas quando se vê ameaçado se coça todo de medo e começa com um “béééééé!” insuportável. Bode chorando é a coisa mais feia do mundo, pois chega um momento que parece um gatinho sonso miando e passando sua barbicha rente ao chão.
Aquele bode velho estava ali naquela propriedade desde já algum tempo, mas não era originalmente de lá, não possuindo parentesco com nenhuma cabra ou qualquer caprino. Esperto que só, foi chegando aos poucos, pisando mansinho, falando baixinho, forçando uma humildade que somente anos depois outros animais descobririam que não tinha, era tudo enganação. Mas verdade seja dita, desde cedo foi logo conquistando uma verdadeira legião de seguidores com seu falso balido.
Num tempo passado, por não conhecer as astúcias do bode, o dono da propriedade criou por ele um grande afeiçoamento que logo o tornou superior na localidade. Não só superior, pois se aproveitando da proteção do latifundiário, começou a mandar e impor, ordenar e a querer tomar conta da vida dos outros animais que viviam ali.
Logicamente que as coisas se dividiram. Os cachorros, os porcos e as galinhas começaram a defender a superioridade e o mando do pai-de-chiqueiro a todo custo, e se ouviam qualquer cabrito falando mal do cabrão iam logo correr pra contar e aumentar muito mais, dizer muito mais além do que o pobre havia berrado.
E foi por essas e outras que o bode velho resolveu mimar ainda mais o seu patrão, o seu dono, lambendo-lhe as botas e os cotovelos. E o homem encantou-se ainda mais e lhe concedeu poderes verdadeiramente bodescos.
Com a nova força adquirida na fazenda, animal pequeno que não rezasse na sua cartilha era logo castigado, perseguido, até mesmo rejeitado pelos outros animais. Papagaio caiu fora porque dizia que ia não se submeter a um bode metido a besta e fedorento, ovelha pulou a cerca pra nunca mais voltar, cheia de ódio e mágoas.
Os que não puderam sair dali sabiam que tinham de suportar calados tudo o que bode velho quisesse. O problema é que o cabrão, acumulando poder demais e sem fazer nada por ninguém, foi fazendo com que a bicharada toda aos poucos fosse ficando desgostosa.
Então, como sempre acontece com pessoas e bichos, aos poucos começaram a negar a autoridade do pai-de-chiqueiro, o seu poder infinito de mando e cismaram em não mais aceitar aquela situação.
Contudo, sabendo que o grande proprietário ainda nutria gosto demais por ele, resolveram que não adiantaria nada reclamar ao homem. Decidiram então isolar o poderoso bode velho. Este continuava com seu poder e seu ar de importância, mas sem qualquer animal que o bajulasse ou ficasse às suas patas não teria mais sentido nada daquilo.
Após esse fato tudo passou a mudar na vida do bode. Mantinha o poder, mas poucos bichos aceitavam continuar se submetendo a ele; podia mandar, mas corria o risco de nem uma pulga lhe obedecer.
Consequencia foi um desânimo profundo, uma angústia, uma tristeza infinita, lágrimas derramadas nos escondidos das moitas. Então, de repente, decidiu ir embora, voltar de vez pra sua terra. Disse que sua raça aguardava o seu retorno e que por isso estaria deixando de ser o tão poderoso pai-de-chiqueiro.
Mas não foi. Gostava tanto do poder que não foi. E continuou ali mandando sozinho, já envelhecido, alquebrado, reclamando da vida e da solidão. Sujo, fedido, de um lado a outro ecoando os seus “bééééés”, roçando sua barbicha nos xiquexiques e ainda assim não sentindo nada.
Até que o dia o senhor proprietário morreu e a fazenda passou a ter outro dono. E assim que o filho do novo senhor chegou por ali e viu o bode se aproximar, todo sonso e manhoso, tentando ser bonzinho para continuar mandando, foi logo escorraçado de lá. O menino, garotinho sapeca, mandou que um empregado levasse aquele animal fedorento de lá porque lugar de bode velho era amarrado no chiqueiro mais distante que houvesse.
Ainda hoje se ouve distante o seu ruminar, seu balido, berro e bodejo. Mas é apenas um bode velho e malcheiroso amarrado à sombra de tantos erros e tantas vaidades. E o mais triste pra ele é saber que quem caiu nas graças do menino foi um pequenino bichinho esverdeado, chamado esperança.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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