A FORÇA FRÁGIL DO SER
Rangel Alves da Costa*
Somos adultos, grandes, decididos, corajosos, destemidos, intrépidos, valentes, audaciosos, enfim, sem nenhum temor de nada. Quer dizer, de quase nada, pois uma simples palavra pode nos causar espanto e arrepio. Qualquer coisa como, por exemplo, solidão ou bicho-papão.
Solidão até que pode ser um alento diante de palavras outras tais como morte, escuridão, tempestade, traição, abandono, pobreza, suicídio, assalto, roubo, sangue, choro, vendaval, terremoto, avalanche, escombro, dor, guerra, furacão, fantasma, doença, abandono, cemitério, violência, acidente, vítima. infarto, brutalidade, agressão, tiro, facada, agonia, aflição, assombração, fome, miséria. Até filme de terror dá medo em muita gente grande.
Qual a culpa das palavras, dos termos, das designações? Nenhuma, mas quando as pessoas relacionam as palavras com os seus conceitos, com os seus significados, com suas experiências ou com a idealização do que aquilo poderia significar, aí sim, as coisas mudam totalmente e simplesmente porque os indivíduos não querem aprender que as coisas não são somente como eles desejariam que fossem. Se escondem por trás de um escudo para dizer que são a própria essência das coisas positivas, do poder e da perfeição, quando na verdade não passam de fugitivos das palavras e dos conceitos espalhados pela vida.
Os próprios antônimos indicam que algumas palavras fazem oposição a outras, contrastam os seus significados, modificam como o preto no branco o que se quer e o que se tem ou se vê. Isto significa que o maniqueísmo na vida não é somente a teoria que confronta o bem e o mal, a saúde e a doença, a alegria e a tristeza, mas também a demonstração de que existe a pessoa e ela mesma se confrontando. E que confronto é esse? Nada mais é do que a fragilidade escondida na força, a meiguice escondida na sisudez, a bondade escondida na maldade, a carência escondida na realização, o medo escondido na coragem.
Não é difícil encontrar pessoas que fazem de tudo para demonstrar para os outros que são inatacáveis ou inatingíveis. Quem as vê pensa que está diante de uma montanha, de uma rocha, de tanta solidez que procuram apresentar. Contudo, muitas vezes essa demonstração toda de força não suporta olhar uma barata que passa, um rato que corre, uma lagartixa na parede ou uma cobra na fotografia. Não é mentira dizer que musculosos marmanjos sobem em cadeiras, ficam vermelhos de pavor e dão até gritinhos. Certa vez presenciei um que desmaiou porque viu sangue.
Uma análise mais aprofundada de tais aspectos comportamentais certamente que envolveria abordagens psicológicas, sociológicas e até históricas. Psicológica porque os comportamentos da mente humana fazem parte dessa disciplina; sociológica porque as ações humanas são condicionadas pelo meio; e históricas porque as concepções acerca da primazia do homem frente à mulher foram historicamente determinadas. Contudo, o entendimento dessa questão, ou seja, do que se esconde por trás das pessoas diante das palavras e dos conceitos, só é possível, ao meu ver, com a percepção da imposição cultural que sempre marcou os caminhos da sociedade.
Ora, se as pessoas temem, têm vergonha e fazem de tudo para não mostrar o que realmente são diante dos outros, logicamente que é porque introduziu-se na cultura do povo a idéia de que somente será reconhecido socialmente aquele que mostrar força, coragem e destemor. A primeira coisa que se diz é que no mundo não há lugar para medrosos, “mariquinhas” ou dondoquinhas que soltam gritinhos quando o vento bate. É a própria sociedade que procura impor modos de ser, de conviver e de estar. Daí que, como conseqüência, todo mundo quer ser o tal, porque não tem medo de nada, nada poderá atingir, não há lugar para demonstração de fraqueza, de fragilidade ou de expressão de sentimento verdadeiro. Aí, inesperadamente, surge um ratinho qualquer e se vê a maior correria, com mulheres desmaiando e marmanjos subindo em cadeiras aos gritos.
Não adianta fingir, mentir pra si mesmo e para os outros; não adianta querer ser o que o corpo e a mente não suportam; não tem cabimento algum viver da fantasia, da mentira, da ilusão em querer ser o que nunca será. Não adianta fingir que não sabe que as pessoas têm sentimentos, sofrem dores e desilusões, choram só em pensar em determinadas situações, se lamentam diante da tristeza. Não adianta fingir porque a própria carne trai, os olhos não negam e a boca não cala. Não adianta fingir pensando que é somente ferro e pedra, “porque és pó e ao pó hás de retornar”.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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