SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 21 de fevereiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XVII

NO REINO DO REI MENINO – XVII

Rangel Alves da Costa*


No dia seguinte à coroação do menino Gustavo e à pequena comemoração no castelo, voltada que foi somente para pessoas de outros lugares que estavam presentes ao evento e, principalmente, para saciar a sede do sacerdote e sua comitiva, logo ao amanhecer o pequeno soberano pediu a Bernal que o acompanhasse até as matas ao redor, pois queria ver passarinhos e tomar um banho no córrego que entrecortava as terras do reino.
Antes disso, porém, os dois amigos tiveram um probleminha para resolver: o velho sacerdote, que teria que partir cedinho, não acordava de jeito nenhum. Por mais que os seus ajudantes chamassem, sacolejassem e até dessem uns leves tapas no rosto, a única coisa que ele sonolentamente pronunciava era "O meu cálice está vazio, mais vinho".
Quando ficou sabendo de tal fato o pequeno soberano não pensou duas vezes. Mandou que o feiticeiro providenciasse com urgência um balde cheio de água. Assim que o amigo retornou com a encomenda, ele segurou a vasilha com cuidado e despejou-a por completo em cima do pobre dorminhoco. E quem viu disse que a cena seguinte foi uma coisa espantosa, pois o velho, não se sabe como e com quais forças, deu um grande salto e num instante já estava em pé, se enxugando, envergonhado e pedindo mil perdões e desculpas ao rei, que estava ao lado se embolando de rir.
Quando o soberano e seu criado iam saindo do castelo puderam ver a carruagem do sacerdote pronta para seguir viagem, com o homem de Deus dormindo e a cabeça encoberta com um pano repleto de rodelas de batatinhas e folhas de plantas medicinais. "Coitado – Disse Bernal ao amigo -, este aí tão cedo não exagera no vinho". "Só espero que ele não esqueça de enviar até aqui um bom comprador para a coroa. Mas sei que fará isso em nome do que receberá" – Complementou Gustavo. Resolveram sair pelo portão dos fundos da fortaleza que circundava o castelo. Era o único jeito de não esbarrar com as muitas pessoas que continuavam ao redor comemorando a ascensão do pequeno soberano.
Procuraram não se aproximar muito da floresta fechada, preferindo caminhar pelos descampados e matas menos espessas. Estar ali, naquela bela manhã, livre e sem preocupações maiores era uma grande realização para o menino. Sempre desejou fazer muitas vezes o que estava fazendo agora, saciando sua vontade de criança, mas sempre era impedido ou por seu pai ou pelos guardiões do castelo. Agora sentia que podia ir ali todas as manhãs com outros amigos de sua idade para correr, brincar, apreciar a natureza e os animais, tomar banho nas águas rasas e saborear melhor aquela fase da vida. Gostaria de jamais perder esse espírito radiante e incansável de criança, mas sabia que se tornar adulto seria inevitável, como inevitável também seriam os muitos problemas que por certo surgiriam. Mas venceria a todos, tinha uma forte certeza disso.
- Eles estão aqui, Gustavo, você não está vendo mas eles estão aqui e saíram das entranhas da floresta especialmente para homenagear você. Olha que danados, todos pulando e festejando a sua presença. Pegue umas pedrinhas, vá, pegue umas pedrinhas e jogue em direção àquelas árvores que eles estão por ali. Jogue as pedras que eles gostam, jogue... – Falava todo agitado o feiticeiro.
- Mas tá ficando louco Bernal, jogar pedras em quem, quem você está vendo para ficar com essa maluquice toda, ou acha que também enlouqueci pra ficar jogando pedra por aí? – Indagou assustado.
- Não majestade, são os duendes, gnomos, elfos, hobbits, ninfas, fadas, sátiros, dríades e outros seres fantásticos que habitam as florestas e os reinos mágicos da natureza. Que festa desses espertalhões, adoram uma farra e uma comemoração. Ali, no seu lado direito vem chegando até um centauro e um unicórnio... – Relatava contagiado o feiticeiro.
- Pare de conversa seu bobalhão e use dos seus poderes para fazer essas criaturas aparecerem. Sempre tive vontade de conhecer pessoalmente essas coisas que a gente sabe que existe mas nunca pode ver. Vá, cuida, faça-os visíveis – Ordenou Gustavo.
E num instante, à sua frente ou ao redor, próximos ou mais distantes, surgiu uma diversidade de seres realmente fantásticos: criaturas pequeninas, de orelhas pontiagudas, olhos brilhantes, roupas engraçadas, alguns totalmente nus, de gorros ou outros tipos de chapéus nas cabeças, soltando grunhidos e gritinhos, assobiando, pulando, dançando, trepados nas árvores ou correndo pelas matas, carregando cestinhas, sacos, pequenas varas, tudo parecendo ter saltado de um velho e encantado livro. As fadas pairavam pelo ar, com suas feições meigas, pequeninos e esbeltos corpos, todas com suas varinhas fazendo surgir pequenos sinais de luz. O centauro majestoso, representado por um belo jovem com o corpo de cavalo. O unicórnio com sua brancura de paz, parecendo incandescente e com um chifre brilhante na cabeça. Olhavam para Gustavo e pareciam com ares de imensa satisfação.
Demonstrando estar perplexo com aquilo tudo, num maravilhoso êxtase, ainda assim conseguiu forças para falar ao ouvido de Bernal: "Posso falar com eles?". "Pode, pode sim, será um prazer para eles, mas seja breve, porque eles precisam voltar aos seus afazeres".
- Estou maravilhado com tudo isso e muito agradecido por vocês estarem aqui. Vocês são realmente uns seres fantásticos. Para aproveitar essa oportunidade, eu gostaria de pedir a cada um de vocês que olhassem com carinho toda essa natureza que está ao nosso redor e cuidassem dela como se fosse defendendo a própria vida, a casa, a família de cada um. Essa é nossa casa maior e vocês sabem disso, pois vivem nela e conhecem seus potenciais mais do ninguém. Por isso mesmo, neste momento, quero que vocês escolham entre vocês mesmos quem será o comandante desse exército que crio agora para defender de todas as maneiras a natureza contra os ataques do homem. Quem vocês escolhem?
E todos olhavam para um ser de semblante meio carrancudo que estava um pouco mais distante. "Quem é aquele Bernal?", perguntou o menino. "É um dríade, o ser ideal para defender a floresta e toda essa natureza. Dizem que os seres dessa raça que mora nas árvores são muito zangados com quem maltrata a natureza. Detestam e atacam os lenhadores e quem quiser causar qualquer dano aos bichos, as plantas e aos córregos. Aquele que cortar uma árvore e não plantar outra terá sua casa todinha destruída por cupins, dentre outros castigos que eles impõem. É certeza de que a natureza estará em boas mãos meu rei".
Depois desse inesperado evento e quando já iam em direção ao córrego, onde o pequeno soberano pretendia tomar banho, eis que chega galopando em grande correria um dos guardas do castelo, todo esbaforido e quase sem poder falar:
- Deus nos salve meu rei, pois invadiram o castelo!


continua...


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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