SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XI

NO REINO DO REI MENINO – XI

Rangel Alves da Costa*


À noite, enquanto Gustavo sonhava com duendes e gnomos, seres fantásticos das florestas, rodeando em festa seu castelo, Bernal fazia rituais, espalhava incenso pelos quatro cantos da moradia real, abria e fechava seu livro milenar de magias e, vez por outra, conversava com sacerdotes encantados que estavam ali especialmente para ajudá-lo nos preparativos para a apresentação do novo soberano aos seus súditos.
Durante toda a noite e adentrando a madrugada, o feiticeiro do bem preparou seus encantamentos para que, logo ao primeiro luzir do sol, na fronteira entre o amanhecer e o clarear, suas oferendas, suas palavras e seus gestos fossem aceitos pelos deuses e a festa de coroação do novo soberano de Oninem ocorresse dentro da maior normalidade, como se a cerimônia já fosse do conhecimento e estivesse na expectativa de todos.
Assim, ao se aproximar da madrugada, adiante de Bernal, num pequeno compartimento da torre do castelo, estavam espalhados numa tarrafa jogada ao chão alimentos, plantas e flores, metais, pedras, ostras, tecidos, fibras vegetais, sementes, perfumes, óleos e incensos queimando e espalhando pelo ar um forte cheiro de mirra, lavanda e cedro.
Dez minutos após, todos esses objetos foram embrulhados na rede e depois colocados numa grande bacia com as sete águas trazidas pelos sacerdotes encantados: água de rio, simbolizando a vida; água de mar, simbolizando a coragem; água de córrego, simbolizando a pureza; água de chuva, simbolizando a renovação; água de cacimba, simbolizando a esperança, água de cachoeira, simbolizando a força e água de lágrima, simbolizando a existência. Após respingar na bacia uma infinidade de óleos com poderes mágicos, Bernal encheu um velho alguidar de metal e se dirigiu até a janela da torre e, depois de mentalizar firmemente seu ideal e visualizar o fato já consumado, jogou a água pelos ares após pronunciar as seguintes palavras: “Os deuses querem que o reino esteja limpo para o rei; o rei quer que o reino esteja limpo para governar; é o desejo dos deuses e nenhum ser impedirá”.
O dia amanheceu de uma forma esplendorosa. Tudo ao redor se mostrava alegre, com feições de paz e felicidade. Os encantamentos mágicos de Bernal comandavam a vida no reino e do mesmo modo seria pelo restante do dia. Ao menos era isso que se esperava. Logo cedinho os guardas ressoaram suas trombetas nas torres de vigia; os sinos da igreja ao lado do castelo dobraram sem cessar; bandeiras estendidas nas torres e nas vigas e estandartes espalhados pelas redondezas, tudo anunciava com grandiosidade o dia da coroação do novo rei do Reino de Oninem.
Ora, como isso poderia acontecer se o povo nem sabia que o rei Lucius havia fugido e a realeza estava vaga? Como tudo parecia em festa se anteriormente o reino estava fragilizado e quase morrendo, como os mais velhos diziam? Como os soldados e os guardas reais estavam a postos se dias atrás ninguém queria trabalhar por falta de pagamento? Como o povo estava agora sorridente e satisfeito se até ontem a insatisfação prevalecia entre todos? Somente Bernal saberia responder.
De um lado para o outro as criadas corriam para limpar e organizar a vida no castelo; do mesmo modo faziam na igreja real, há muito de portas fechadas e agora totalmente transformada para receber a cerimônia de coroação. As mulheres varriam o entorno do castelo; os homens podavam as árvores e retiravam o mato que havia crescido pelas redondezas; outros homens e mulheres cuidavam da carne dos muitos bois, porcos, carneiros, frangos e faisões que foram abatidos exclusivamente para a grande festa que ocorreria logo após a cerimônia.
E o rei, mas onde estava e o que estaria fazendo o futuro rei? Estava recebendo as últimas lições com Bernal, aprendendo como deveria se comportar durante a cerimônia e o que deveria fazer dali em diante. E neste ponto o pequeno soberano interrompeu o feiticeiro do bem para dizer: “Ora, se sou o rei faço o que eu quiser e já sei muito bem o que vou fazer, e você vai ter que ficar calado, senão mando chamar um bruxo pra transformar você num sapo”. Bernal sorriu, outra coisa não poderia fazer e saiu quase correndo para ir buscar a coroa real para experimentá-la em Gustavo e fazer os ajustes necessários. De repente deu em estanque e parou pensativo: “Mas a coroa não está mais aqui. O maldito Lucius roubou a coroa junto com as outras jóias. E agora?”. Ainda refletia atordoado quando ouviu:
- Bernal, seu feiticeiro, é aquela coroa que está ali que vou ter que usar? – Perguntou Gustavo, quase derrubando o outro de susto.
E quando Bernal se virou enxergou a coroa iluminada e resplandecente em cima do criado-mudo. Mas quem a teria colocado ali?


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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