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domingo, 21 de fevereiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XVI

NO REINO DO REI MENINO – XVI

Rangel Alves da Costa*


O pequeno rei parecia que não estava nem aí para as palavras do velho sacerdote e a inquietação de Bernal. Entretanto sabia que mesmo meio embriagado pelas delícias do vinho, os relatos daquele senhor não podiam deixar de ser considerados. Já concebia na mente as atitudes que tomaria em relação à pretensão dos cavaleiros da Ordem. Por enquanto deixaria tudo como estava, sem opinar sobre o que poderia estar certo ou errado, sobre o que achava sobre o fustigante assunto. Quanto ao seu amigo feiticeiro, pediu que ele abrisse imediatamente o desditoso presente.
Bernal rapidamente se incumbiu da tarefa e num instante estava em mãos com a lembrança enviada e um manuscrito enrolado em canudo e preso por uma fita com as insígnias da Ordem. Era uma cabeça de alce empalhada, lindamente trabalhada, presa ao fundo por uma tábua de madeira nobre enfeitada com motivos dourados e gravada com o nome da Ordem. Quem não soubesse das intenções por trás daquela reverência toda diria que era um belo presente.
O manuscrito, cuidadosamente grafado com letras góticas, talvez objetivasse também impressionar o destinatário e transmitir uma ideia de grande importância e seriedade da Grande Ordem dos Rebeldes. No seu conteúdo, dava as boas vindas ao novo soberano do Reino de Oninem, parabenizava o rei Gustavo Oneuqep pela ascensão ao trono e em seguida traçava um breve histórico da Ordem, seus objetivos e suas estratégias de ação. Nada mais nada menos do que o relatado pelo sacerdote, só que através de outras palavras, que não deixassem transparecer fria e cruelmente seus objetivos abomináveis. Ao final, conclamava o rei para se tornar mais um membro daquela classe de soberanos e nobres e informava que brevemente um emissário seria enviado para tratar pessoalmente com o rei.
- Bernal, faça essa baboseira desaparecer imediatamente da minha frente. Mande queimar tudo, essa caixa, esse alce empalhado, essa mensagem, tudo. Não quero ver isso na minha frente nem mais um segundo. Direto pra lareira com essas coisas ridículas Bernal – Ordenou raivoso o pequeno rei, fato que deixou totalmente surpreendidos o feiticeiro e o sacerdote. Contudo, surpreendidos não pelo gesto raivoso, mas sim pela maneira firme e decidida demonstrada pelo menino na sua indignação.
- Mas majestade não faça isso, em nome do nosso Deus não faça isso. Essa Grande Ordem é muito perigosa e aqueles que estão por trás dela são muito perversos e cruéis. Lembre que um emissário deles virá até aqui e será uma afronta se ele perceber que o presente não está fazendo parte da decoração do castelo. Ademais, como poderá conversar com ele sem estar com o maldito manuscrito em mãos? – Ponderou o velho sacerdote, agitando-se ainda mais pelo vinho que lhe era farto.
Antes de responder, Gustavo puxou Bernal pelo braço e perguntou-lhe no ouvido: "É pecado impedir que o sacerdote continue tomando vinho?". Diante da inesperada pergunta, o feiticeiro outra coisa não fez senão soltar uma sonora gargalhada, assustando até mesmo as outras pessoas que estavam se refestelando com as comidas e as bebidas. O cálice do sacerdote espatifou-se no chão, e o homem da igreja só não teve o mesmo destino porque foi amparado pelo pequeno rei.
Refeitos do pequeno incidente, e providenciado com urgência um novo cálice para o sedento sacerdote, o rei Gustavo voltou-se para este e falou:
- Há pouco o senhor implorava para que eu não mandasse queimar aqueles nojentos objetos que me foram enviados por não sei quem e nem quero mais saber. Só tenho a dizer que realmente mandei e mandarei ao fogo todos que aqui forem enviados com os mesmos objetivos. E por uma razão muito simples, senhor sacerdote: sou ainda menino mas quem manda aqui sou eu e não é nenhum valentão que vai me fazer medo dentro do meu reino ou fora dele. O senhor pode até pensar que não, mas sei como agir como esse tipo de gente. O senhor bem sabe daquela história bíblica do jovem Davi e do gigante Golias. Quem venceu? Foi o jovem e venceu não porque o outro não fizesse medo, mas porque o rapazinho foi mais esperto, como são espertos todos os meninos da minha idade. E por que o senhor acha que todos os meus principais auxiliares serão meninos? Ora, é porque somente nós sabemos como enfrentar e derrotar esses falsos gigantes – Disse o rei, com a maior sensatez e seriedade possíveis.
Ouvindo as palavras do rei, de um lado Bernal emocionava-se sem disfarçar uma lágrima que caiu; e do outro o sacerdote tombava ao chão com o cálice na mão. Jamais imaginaram ouvir tais palavras da boca de um menino, mesmo que esse menino fosse rei.


continua...


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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