A LIÇÃO DA ANDORINHA
Rangel Alves da Costa*
O vento norte, com sua voragem, encontra ainda as coisas desfeitas depois do vendaval que passou. É hora de reconstruir a vida enquanto o tempo ainda permite, enquanto ainda temos forças para juntar pedaços. Enfim, é o sol, é o azul, é um horizonte que enxergo bem longe.
A vida é assim mesmo, com esses mistérios que a natureza quer nos ensinar e insistimos não aprender. Verdade é que o vendaval que passou por aqui provocou perturbações marcantes no estado normal da realidade, derrubando árvores e arrancando plantas, causando enxurradas e alagamentos, destelhando casas e levando os sonhos de muitos. Inevitavelmente isto iria acontecer, mas nunca nos preparamos o suficiente para evitar os danos.
Depois da natureza revoltosa, começa outro barulhar do tempo. É certo que o vento norte também é vadio; mas é a sua vez. É a vez do vento norte, soprando quente e intensamente, num murmúrio que é também um aviso: vem mais chuva por aí. Temos, talvez, somente mais uns dois ou três dias antes que a chuvarada lave novamente a terra e suas paisagens.
Dois ou três dias é o tempo que temos para viver a tranqüilidade dos dias. É nesse curto espaço de tempo que limpamos a casa, arrumamos os móveis, lavamos e secamos a roupa no varal, tentamos dar uma normalidade à vida. Quanta coisa fazemos em segundos, minutos, basta um olhar, um toque, um aperto, um aceno. Temos ainda dois ou três dias, talvez, e é tempo demais para transformar a própria vida.
Pensei no que poderia fazer nesse espaço de tempo e lembrei do que faz nesse mesmo período uma andorinha que fez moradia no meu quintal. Como se sabe, as andorinhas geralmente vivem em bandos, voando aos montes por aí, mas esta vivia sozinha no meu quintal, onde fez ninho e dedicava-se à sua solidão. Esta não era barulhenta, era religiosamente silenciosa.
Dizem que vivem a maior parte do tempo no ar; só param de voar para beber água ou descansar nos fios de eletricidade e vão ao chão apenas para colher barro para os ninhos ou para caçar insetos para comer. Dizem ainda que desenham figuras no ar, chamam a primavera e louvam a chegada do sol. A andorinha que conheço, contudo, passa a maior parte do tempo em pequenos afazeres nas redondezas e no beiral do seu ninho, observando a vida. As andorinhas não cantam; a minha também não. O que faz é insistentemente construir e reconstruir sua vida e viver em paz.
Naqueles dias de chuvas não vi a andorinha. Fui até próximo ao seu ninho e nem pude vê-lo. Ele estava coberto por um pedaço de plástico com uns gravetos por cima que eu nem sei como ela havia conseguido colocar ali. Ali ela não estava, presumi. E quando eu voltava para a porta de casa olhei ao redor e vi a andorinha alegre e satisfeita numa fresta acima da janela. Naquele lugar improvisado, estava enxuta, protegida e feliz, bem próximo à sua moradia, que estava também devidamente protegida.
Tal fato jamais me saiu da memória. Antes do temporal a andorinha já estava com sua vida totalmente organizada, pronta para qualquer conseqüência. Havia arrumado tudo em menos de três dias, talvez. Soube ver e ouvir a natureza, sentiu a tempestade que se aproximava, protegeu seu ninho e procurou se proteger. Quando o sol brilhar e o vento norte soprar novamente anunciando mais chuva, nada afetará mais sua vida. Soube preparar-se pra tudo.
E nós temos ainda uns dois ou três dias antes das chuvas chegarem e não sabemos sequer consertar uma minúscula goteira que surge no canto dos nossos olhos toda vez que chove e estamos sozinhos, desprotegidos.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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