NO REINO DO REI MENINO – IX
Rangel Alves da Costa*
O rei fugitivo e sua esposa triste já estavam muito longe do Reino de Oninem. Com a natureza ainda em fúria, seguiram velozmente na carruagem real levando feito espólio toda a fortuna do reino. Outro rei, tão desonesto e espoliador quanto Lucius, certamente lhe daria guarida. Algum quinhão iria obter. A desonestidade entre soberanos os torna como irmãos de sangue, mesmo que sangue desprezível e abjeto.
Aquela inesperada partida, em circunstância demasiadamente dolorida por não poder proteger seu filho e levá-lo consigo, tornava aquela bela mulher numa figura que mais parecia saída debaixo da terra. Pálida, sem nenhuma preocupação com sua postura de rainha, sem a finura e trato próprios da realiza, era praticamente uma morta-viva, mais parecendo uma moribunda.
E tais aspectos também demonstram a enorme diferença entre o caráter de Lucius e o seu, o seu amor de mãe e a pouca demonstração de preocupação do pai com relação ao filho. Parecia mesmo que tanto fazia o filho ter ficado exposto ao perigo ou não. Durante a fuga, em nenhum momento citou o nome do menor nem demonstrou qualquer gesto de inquietação. Pelo contrário, inquietava-se sim, mas pelo medo de que o suporte com o baú e os caixotes com a fortuna pudessem desatrelar da carruagem.
Se a mãe do pequeno Gustavo soubesse, ao menos em parte, o que estava por trás do sumiço do filho naquele instante de desespero quando tiveram que partir, as causas que favoreceram ou intervieram para que aquilo ocorresse e as conseqüências que mais tarde o fato iria ter, certamente que recobraria o ânimo e ficaria mais confortada. As coisas teriam que ser assim, não poderiam ser diferentes, concluiria. Ademais, era muito melhor ouvir a voz do destino e aceitá-la do que ter o filho ao seu lado naquela empreitada suja que o esposo covardemente se propusera a fazer.
Porque o destino estava traçado, as coisas não poderiam ser diferentes. Bernal, o feiticeiro do bem, tinha pleno conhecimento disso tudo e era também criador desse destino. Sabia quando seria a tentativa de invasão, o instante em que as tropas se postariam à frente do castelo e tudo o enredo do viria a acontecer a partir daí. Jamais temeu pela vida do menino porque também sabia que ele estaria totalmente salvaguardado do que, fugindo ao traçado pelos poderes da magia, pudesse ocorrer.
Quando a horda malfeitora saiu de trás das montanhas e rumou em direção às pequenas povoações circunvizinhas ao castelo, Bernal deu o sinal para que a acompanhante do menino o levasse até a torre do castelo. O garoto, como se já estivesse preparado para aquilo tudo, simplesmente fazia o que o feiticeiro e a criada pediam. Não perguntava por seus pais, não indagava sobre aquela correria toda, nada. Pelo contrário, até ajudava nas ações. Afinal, já contava com sete anos e se sentia dono do seu nariz, um verdadeiro homem. A afirmação do indivíduo começa mais ou menos por essa idade.
Na verdade, o modo calmo e compreensivo como Gustavo, o herdeiro do trono, enfrentou toda aquela situação foi em grande parte fruto dos poderes de encantamento de Bernal. O feiticeiro sabia que na mente do garoto havia uma fronteira que podia ser manipulada; a outra não, porque nela é que estava se formando o caráter e o encorajamento do futuro rei. Assim, articulando com maestria sua magia, transformava em normal tudo que de anormal os olhos do menino pudessem ver, tornava num simples murmúrio o maior barulho que pudesse ocorrer. Foi assim que Gustavo presenciou lá do alto do castelo a fúria da natureza e a tragédia dos invasores.
No dia seguinte após os múltiplos, trágicos e até cômicos acontecimentos, Bernal convidou Gustavo para um passeio por todas as dependências do castelo, explicando-lhe cuidadosamente qual a destinação de cada quarto, de cada sala, de cada local sem destinação específica, enfim, de tudo o que por ali havia e até mesmo de esconderijos e locais secretos que poucos sabiam da existência. Depois sentou com o garoto no salão principal do castelo e contou detalhadamente os motivos pelos quais seus pais não estavam mais ali e o porquê de que talvez eles jamais voltassem a pisar naquele local ou mesmo naquele reinado. Em seguida, voltou com o menino para a torre do castelo, abriu uma janela de onde se descortinava todo o horizonte e pediu que ele observasse com atenção tudo o que estava adiante enquanto ouvia o que tinha para falar.
E Bernal, com um rosto estranhamento iluminado, começou a selar a sorte do reinado com palavras que até hoje ressoam naquelas planícies do País dos Voantes, no Reino de Oninem.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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