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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

AS FLORES QUE ESTAVAM ALI



*Rangel Alves da Costa


E de repente, a normalidade se transforma em caos, os passos seguros se tornam em correria, as palavras passam a ecoar em gritos, e tudo também aflige as flores. As flores que estavam ali...
Flores de Brumadinho. E quantas flores. Flores humanas, flores da terra, flores nas plantas, flores nos bichos, flores nas vidas.
E de repente as comportas se rompem, as engenharias cedem às pressões dos descasos e das omissões, as estagnações transbordam em rios de lama, as furiosas enxurradas se lançam derramam em mar de sofrimento e morte. E levam as flores que estavam ali...
Flores que apenas queriam viver, brotar, florescer. Flores acostumadas com os seus dias, até sem medo, e que jamais esperaram que o horror viesse na fúria da lama.
E de repente, quando a brisa se transforma em ventania, quando a ventania logo se torna em vendaval, quando a calmaria se transmuda em todo o mal, logo as flores se vão. As flores que estavam ali...
Flores dando vida aonde a morte se espreitava em sombras. Às sombras dos minérios, dos dejetos mortais, dos metais perigosos, da química acumulada em lamaçais ferozes.
E de repente, os rejeitos rejeitando a vida. E sobre as vidas avançando sem piedade. Não adiantou correr, não adiantou fugir, não adiantou gritar, não adiantou chorar. Quanto mais se abraçava à esperança de salvação, mais os braços do lodo sufocando a existência. A existência das flores que estavam ali...
Flores da Mina Córrego do Feijão, flores de jardim e de algodão. Flores com nomes, sobrenomes, famílias, vidas. Flores nas espécies, nas feições, nos arredores de tudo.
E de repente o outono mais perverso, desumano e furioso, que pudesse existir. Não o outono da natureza, do desfolhamento de folhas e murchamento de pétalas, mas o outono da insensatez humana, da ganância, da ambição, dizimando tudo o que encontrasse pela frente. Dizimando as flores que estavam ali...
Flores do Igarapé, flores das nascentes e das corredeiras, das fontes e das junções. Flores aguadas não pela água boa, água limpa, mas do lixo, do lixo e da química putrefação.
E de repente as pessoas sendo arrastados, encobertas, sumidas, desaparecidas. De repente os gritos sufocados e as agonias pela incapacidade de salvação. De repente apenas a lama, o terrível e voraz lamaçal, encobrindo e levando tudo. Levando as flores que estavam ali...
Flores do Rio Paraopeba, flores de outras águas, flores são franciscanas, flores que um dia nasceram em jardim e que de repente se transformaram em espinhos na alma.
E de repente o bicho feito um brinquedo miúdo sendo revirado, sacudido e levado pela voracidade da lamacenta correnteza. Casas, veículos, utensílios domésticos, pequeninos animais, tudo de repente tornado em triste folha seca sendo açoitada. E na imensidão jazendo as flores que estavam ali...
Flores da Bacia do São Francisco, flores de um mundo ajardinado e que de repente se viu em escombros de guerras. As mãos implorando salvação apenas afundando na fúria sem fim.
E de repente apenas o luto e a certeza da incerteza de quantos partiram assim, na agonia, no sofrimento e na aflição. Sequer partiram, pois simplesmente afundados e levados pelos esgotos humanos da ganância e da ambição, do lucro e da insensatez. E assim morreram as flores que estavam ali...
Flores da dor, do choro, da lágrima. Flores sem vida, pois flores mortas. O que vale uma vida para uma Vale que negligenciou a vida e gestou a morte das flores que estavam ali?


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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