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terça-feira, 4 de junho de 2013

UM HOMEM SÁBIO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Ensina Khalil Gibran (1883-1931, nascido nas montanhas libanesas) que a simplicidade é o último degrau da sabedoria. O que se pode ler, então, além das palavras do grande sábio? Seria apenas uma afirmação abstrata, cujo significado pode ser tudo e nada ao mesmo tempo? Ou a verdadeira pedra da sabedoria?
Creio que a resposta dependerá daquilo que se tenha como simplicidade. E não somente isto, mas também o que seja a simplicidade num sábio. Talvez somente assim se obtivesse algo como desprendimento, renúncia às vaidades da vida, uma vida imune às influências materialistas.
Compreendo tal afirmação como uma síntese na vida daquele que alcança o  conhecimento e a elevação espiritual: depois de tudo alcançado ser apenas a brandura e a humildade. No mesmo sentido, a singeleza do ser humano na sua ação de vida e no modo de compreensão desta.
Assim, o último degrau da sabedoria, ou seja,  o estágio maior de elevação do ser, só será alcançado quando, ao alcançar o nível instintivo da prudência e da sensatez, o homem se situar no mundo como elemento próprio da natureza, e não como agente que forja a modificação no seu percurso.
No contexto, sendo a sabedoria o último estágio da razão humana, logo se depreende que todo conhecimento adquirido só estará aperfeiçoado se o ser também se reconhecer grande apenas nas suas virtudes. E tais virtudes refletem o modo de se conduzir perante a realidade e a ação exemplar perante essa mesma realidade.
A sabedoria em si possui muitos conceitos. É a capacidade humana para a ampla reflexão da realidade, de si mesmo e do próximo; é o poder de compreensão das altas indagações da vida; é a amplitude do conhecimento. É o conhecimento justo e correto das coisas.
Mas também sabedoria é entender a importância e o significado daquilo que dificilmente é visto como da essencialidade da vida. Nisto a certeza de que a sabedoria abrange também enxergar aquilo que aos outros é de pouca ou menor importância.
O verdadeiro sábio não é aquele de grandes discursos, de conceitos sobre tudo, que procura se impor através do nível de conhecimento alcançado. É, principalmente, aquele da reflexão, da constante e silenciosa busca do conhecimento, do diálogo com a natureza e com os seres existentes na vida. Ora, para o sábio, tudo possui fundamental importância.
Tudo, pois, assoma como importante aos olhos do sábio, mas, como diz Gibran, é através da simplicidade que se expressa o mais alto grau da sabedoria. E ser simples, para os fins do saber, é enxergar a realidade sem paixões, é apreciar a candura de algo invisível a muitos, é ter a certeza da limitação do seu saber e do seu conhecimento.
Certa feita, um velho sábio foi surpreendido por seu discípulo ao ser indagado porque mirava tanto aquelas folhas secas que eram levadas pela ventania do entardecer. E ouviu como resposta: Não pense que enxergo apenas as folhas frágeis ou mortas ao vento. Avisto muito mais a vida.
E prosseguiu: Nas folhas sinto o outono, nesta estação as transformações, as fragilidades, a perda das seivas da existência, a morte. E nada muito diferente da vida, onde o vento é a existência e a folha pode ser vista como o próprio homem que um dia perecerá. Daí que avistando a folha também compreendo esse percurso inevitável do ser humano, da vida à morte.
Doutra feita, dessa vez respondendo a um camponês que indagou por que insistia em escrever por cima do véu das águas, vez que a correnteza tudo desfazia rapidamente, o mesmo sábio respondeu: O mais difícil é saber quando vou terminar esse livro. Tenho certeza que nunca, ainda que cada letra jamais seja apagada pelas águas.
E explicou: Como as mesmas águas nunca retornam ao mesmo lugar, tudo aquilo que escrevi estará gravado mais adiante. No entanto, o mais importante não é a certeza da conservação do meu livro, mas a lição que cada um absorverá toda vez que tiver sede de conhecimento. Ao beber desta água estará lendo o que aqui insisto em escrever.
Tal sábio não era Gibran. Mas bem que o poderia ter sido. Afinal de contas, poucos homens conseguiram expressar tão bem a sabedoria humana. E com absoluta e profética simplicidade.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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