SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 8 de junho de 2013

A ESTÓRIA DA SOLTEIRONA QUE VIU UMA VELA E ENLOUQUECEU (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Aconteceu no sertão e foi repassada em montão, a estória da solteirona que teve alucinação ao ver uma vela estranha que lhe causou aflição, fazendo perder o juízo e viver na assombração.
Quando jovem era a mais bela, a mais desejada donzela, mas nunca quis namorar, só vivendo na janela, de cara fechada pro mundo, se achando mais que ela.
Recebia bilhete de amor, um cesto cheio de flor, fruta de doce sabor, presente de toda cor. Mas tudo achava um horror, cada pretendente um pavor, sem sentir nenhum fervor.
O pai lhe chamava atenção, dizendo não faça assim não que a vida é lição e mais tarde vai ter punição. Quando tiver na solidão vai querer qualquer e todos dizendo não.
A mãe só faltava chorar, pra filha logo mudar e começar a namorar, moço decente arranjar e pensar logo em casar, pois o tempo ia passando e ela naquele cismar.
Mas a moça era orgulhosa, e se achando a mais gostosa, dizia toda garbosa que não tava aí nem dava prosa, que tinha quantos quisesse, pois era a mais bela rosa.
O tempo foi passando com o orgulho aumentando, as conhecidas namorando e cada uma casando, tudo vivendo feliz e ela estacionando, sem receber mais um bilhete nem uma carta clamando.
Começou a estranhar que a rapaziada sumia. Cada um que ela via agora desaparecia, se enfeitava na janela e nenhum pra dar bom dia. Aquilo que era alegria foi transformando em agonia.
Quis namorar de todo jeito, sentir da paixão seu efeito, ter um corpo junto ao peito, ser abraçada em trejeito, deixar o cabelo desfeito e beijar sem preconceito. Mas faltava um sujeito que tudo fizesse assim e sem pudor nem respeito.
Chorou uma noite um dia, comida não mais queria, no peito a descortesia de sofrer a desvalia de não ter mais pretendente, de caminhar pra ser titia.
Comprava roupa enfeitada, vivia toda esmaltada, de cara e boca pintada, com saia curta e levantada. Caminhava pela rua, seguia pela estrada, mas ninguém olhava nada daquilo que tanto mostrava.
E o tempo foi passando, a solidão aumentando, o corpo não suportando um calor descomunal, que arrepiava sufocando, o pelo se eriçando que ela acabava chorando. Todo mundo namorando e ela se pranteando.
Fez promessa para o céu lhe tirar aquele véu que lhe deixava ao léu, queria um de bigode e chapéu, o que fizesse escarcéu, se entregar de déu em déu, e antes que desesperasse e fosse parar num bordel.
A moçada já sabia do sofrimento da donzela e chegava junto dela contando cada uma daquela. Falava do cio da cadela, da porteira sem cancela, do tacho feita panela, do tamanho da mortadela.
Ela ficava arrepiada, sem jeito, desajeitada, e toda afogueada permanecia calada. Mas disse dentro de si que ia ser tudo ou nada, que ia dizer ao padre de sua nova jornada, que ia ser de qualquer um e com prazer de ser falada.
Foi cumprir sua missão, contar ao padre da decisão, mas só encontrou na igreja o jovem do sacristão, que lhe perguntou o que era, se queria confissão. Ele mesmo a ouviria e daria o perdão.
Diante do sacristão ela se tomou de aflição, avermelhou de supetão com a fogueira em brasão, pensou que seria o padre e não aquele bonitão, um moço espadaúdo todo vestido em roupão.
E ali mesmo decidiu começar o seu pecado, e num instante pro outro o homem estava rasgado, faltando só um pouquinho e ficaria desnudado.
Sem saber o que fazer, completamente assustado, o sacristão foi correr e se viu despreparado, pois toda roupa caiu e ele ficou pelado com uma vela na mão, e acesa feito tição.
Diante daquela visão, coisa mais triste, que aflição. Ela arregalou os olhos e logo perdeu a razão, endoideceu de repente com a vela do sacristão.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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