Rangel Alves da Costa*
Não estranhe o titulo acima, pois é o cabresto do voto mesmo e não voto de cabresto, ainda que para entender aquele este mereça ter seu conceito relembrado.
Termo usado para designar uma antiga prática dos tempos da política coronelista - mas ainda devidamente praticada nas mais diversas regiões - tem-se o voto de cabresto como a expressão eleitoral dos poderosos, latifundiários, senhores da terra, da gente e do bicho. Eleger seus candidatos era uma das formas de expressar seu poder.
Assim, voto de cabresto era o mecanismo utilizado pelos coronéis para garantir a vitória de seus candidatos. Para assegurar o sufrágio em seu favor, o poderoso fazia todas as formas possíveis de manipulação eleitoral, comprava votos, ameaçava eleitores, utilizava a máquina pública para favorecimento pessoal.
Contudo, o verdadeiro sentido da expressão voto de cabresto está no curral eleitoral que o coronel mantinha. Curral porque sempre rodeado de pessoas empobrecidas, miseráveis e analfabetas, que sobreviviam com as esmolas assistencialistas fornecidas pelo poderoso senhor. Ao receber uma feira, um retalho de pano ou uma quantia em dinheiro, logo o desvalido se tornava objeto de uso do coronel. Este praticamente passava a comandar suas ações, principalmente na hora da votação.
Desse modo, aqueles desvalidos, sem consciência crítica ou força de rejeição ao mando, se deixavam dominar, conduzir, serem tratados como verdadeiros animais em um grande curral do coronel. E uma vez dominados era mantidos sob cabresto, nas rédeas, obedecendo somente ao comando do líder.
Essa vivência sob cabresto é que deu origem à expressão voto de cabresto. No momento da eleição, o poderoso guiava seus animais para votar naquele seu preferido. Muitas vezes o próprio coronel. Muitas vezes não havia saída para os subjugados, vez que todo um terreno preparado para a continuidade dessa submissão e manipulação. Ora, prática reconhecida pelos governantes que dela dependiam eleitoralmente.
Atualmente tal prática, quando existente, está revestida de outras formas de ação, agindo principalmente através do poderio econômico, da compra de lideranças locais e da manutenção de privilégios em determinadas comunidades. Quando, por exemplo, um deputado procura destinar verbas, realizar obras e benfeitorias em determinadas localidades, e bancar o apoio das lideranças, então se verifica esse novo modelo de curralismo eleitoral.
O novo curral eleitoral é alimentado pelas emendas orçamentárias, pelas destinações de verbas específicas, pelos assistencialismos governamentais, pelo empreguismo e favorecimento, pelo pagamento àqueles havidos como lideranças políticas locais e regionais. Contudo, é a continuidade da miséria do povo o mecanismo propulsor dessa conduta eleitoreira nefasta nas regiões mais empobrecidas. E também nos centros urbanos.
Somente a educação do povo, a aquisição do conhecimento e da reflexão crítica, bem como a emancipação cidadã da classe eleitoreira, poderia sepultar de vez o curralismo eleitoral. A lucidez do povo certamente acabaria invertendo a situação e o político, o candidato ou o eleito, passaria de laçador a laçado. O cabresto não mais envolveria a cabeça do eleitor, mas daquele que dele precisa para chegar ou estar no poder.
Quando a população eleitora sentir a verdadeira expressão de sua força e transformar esta em meio de reivindicação e de garantia de seus direitos, então a situação estará invertida. Antes manipulado, subjugado, vendido e mantido com uma esmola vil, o eleitor se tornará o condutor de seu próprio destino e de sua comunidade. E o político um reles obediente ao seu comando.
Não haverá mais, pois, o voto de cabresto, mas o cabresto do voto. É o povo que vai determinar a ação do político, dizer o que ele deve fazer, bem como forçá-lo a sentir que a governança e a atuação legislativa devem ser conduzidas em nome do povo, para a melhoria de suas condições de vida. E não do próprio eleito e seus apadrinhados.
Colocar cabresto no político e mantê-lo em rédeas - e bem curtas - é a única forma de fazê-lo respeitar o povo depois de eleito e impedir que não desvirtue aquelas propostas tão elogiáveis e alardeadas de canto a outro. E certamente será este que mansamente obedecerá ao grito do povo quando estiver pulando a cerca de suas responsabilidades. Aboio providencial que o fará pensar duas vezes antes de fazer da política um pedestal ornado de negligências, improbidades e outras ilicitudes.
Contudo, não será tarefa fácil transformar o que ainda resta de voto de cabresto em cabresto do voto. Eis que parte da população adora comer no curral da cesta básica e chega a mugir de contentamento com um cartão de qualquer bolsa governamental à mão. E a cesta e o cartão, como todo mundo sabe, são as novas cordas que sustentam o cabresto.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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