SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

GENTE DE SOL E DE CHUVA (Crônica)

GENTE DE SOL E DE CHUVA

Rangel Alves da Costa*


Sem dúvida que a vida se apresenta desigualmente entre as pessoas e para as pessoas. Alguns já nascem em berço de ouro, sem precisar de qualquer esforço para ter uma vida no luxo e na riqueza. Outros dão um duro danado para melhorar e crescer na vida, sendo que apenas uma parte consegue alcançar o ramo de ouro. Já outros...
Outros são felizes assim mesmo, com a medida que Deus lhes deu, conformados com o destino e impregnados de alguns elementos que somente eles têm: coragem para trabalhar, esperança, destemor, força para continuar lutando sempre, paciência e muita dedicação àquilo que pouco têm ou possuem.
Não é fácil, mas antes do galo cantar e depois de tomar uma xícara de café fumegante com uma mão de farinha e uma perna de preá, o matuto encorajado pela necessidade já vai botando enxada ou enxadeco no ombro, ajeitando o chapéu pelos olhos e seguindo para mais um dia de labuta dura e difícil. Roçar, plantar, desmatar, remover, refazer, coivarar...
Nem sempre leva comida no alforje nem o cantil cheio de água, mas sempre caminha com esperança certeira para o roçado distante onde vai prestar qualquer serviço pra ganhar doistões. No fim de semana, juntado o ganho todo, mal dá pra comprar o de comer. Mais ainda assim tem que suportar o calorão, a ventania, a chuva, a tempestade, a cobra escondida na moita, e tudo pela necessidade de sobrevivência.
De sol a sol, na lua ou no dia, uma gente destemida faz do suor sem cansaço o único destino da sobrevida. Carreiro carreia mil léguas com uma carrada de palma pra os bichinhos não morrer de fome na seca inclemente; vaqueiro se lanha todo nos galhos da jurema e da catingueira, mas não deixar o boi valente se perder de vista, desabar no meio do mundo; planta palma, colhe capim, junta o mato no aceiro, toca fogo, vai atrás de teiú e preá, é um pega e não pega, é uma vida de danar.
Conheço gente que caminha pelos matos, corta veredas, desce ribeira e ribeirão, limpa o chão, cava a terra e vai juntando a argila apropriada para a sua produção cotidiana, para garantir o ganha-pão do dia a dia. Muitas vezes o próprio quintal tem barro do bom pra não acabar mais. E então vai o ceramista, o artesão da argila e do barro, debaixo de chuva ou de sol construindo seu destino em potes, moringas, panelas de barro e uma série de objetos que a gente sempre encontrava nas cozinhas interioranas.
Mais adiante, ainda descendo o ribeirão, há um pequeno riacho, com água salobra e barrenta, mas correndo sempre, mas gente chamando pra labuta e pra cantoria. E lava a roupa, e torce o pano, e esfrega o encardido, bate aqui e joga acolá, o sabão tá pouco, não tem mais sabão, esfrega com a mão, espalha na pedra, deixa o sol bater, deixa o vento soprar, mas enquanto isso se põe a cantar: "Estava na beira da praia ouvindo as pancadas das águas do mar/ Essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na Ilha de Itamaracá ..."
E um pouco mais abaixo, no outro lado do riacho, tem gente fazendo telha, cortando tijolo, arrumando a forma, batendo o barro, experimentando o ponto, acendendo o fogo da olaria, pois entra noite e chega dia é a mesma agonia de água, de barro e fogo. Fica tostado igual a tijolo, com o sangue fervendo igual a vulcão, mas não arreda o pé da fumaça, pois exige a profissão. Êta vida, sei não...
E quando tem tempo pra descansar e se deita na esteira da varanda, é só pra sonhar em arrumar o que fazer amanhã, pois o menino tá chorando, tá chorando, e quer farinha e quer mingau, quer papa e bolachão. Êta vida, sei não...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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