UM TEMPO DE ILUSÕES
Rangel Alves da Costa*
Verdade seja dita, mas pouquíssimas pessoas sabem e vivem o significado do natal e da passagem de ano. Para uns, não passa de motivações para fazer compras; para outros é o tempo ideal para se fartar de comidas e bebidas; e ainda outras veem nas festas, nas comemorações e nas trocas de presentes os únicos simbolismos das festas de final de ano.
Pobre gente materialista, de espírito consumista e de pouco sentimento no coração. A grande maioria esquece esses momentos ideais de reflexão e deixa de ouvir seus gritos internos - que tanto precisam ser atendidos para saber que a vida precisa de atenção – para satisfazer aos apelos do comércio, dos festins e da banalização do senso de amizade e compartilhamento.
Quantos amigos secretos a pessoa precisa retribuir presentes para saber que a verdadeira amizade é retribuída a cada dia, com amor, com palavras de conforto, com afeto e compreensão? Quantos presentes alguém precisará embrulhar para se redimir das distâncias, das inimizades e da desvalorização do outro durante os onze primeiro meses do ano? Será que o coração se enche de tanta bondade apenas quando chega o mês de dezembro?
Muitas outras indagações poderão surgir e todas necessitando de respostas que devam ser dadas ao coração de cada um. Será que as pessoas são boas e amigas somente no período natalino? Quantas pessoas fazem do costume da troca de presentes um comércio, dando qualquer coisa e exigindo de volta algo luxuoso ou muito mais caro? Será que nunca viram comida, nunca se viram diante de uma mesa farta, para ter que provar ao vizinho que sua ceia natalina foi toda produzida com produtos importados?
Ao chegar o mês de dezembro o mundo se transforma num verdadeiro teatro de absurdos. Enquanto um dia um menino pobre nascia numa manjedoura, colocado em berço de capim e entregue às perseguições e adversidades do tempo, as pessoas comemoram o seu nascimento num luxo desenfreado e se endividando até o pescoço e até o mês de novembro do ano seguinte. Para quando dezembro chegar começar novamente as ilusões, as demonstrações de falsas amizades e a comercialização de sentimentos.
Tempos difíceis estes, de pura ilusão e de um povo que parece jamais ter aprendido que a humildade, a modéstia e a simplicidade são a verdadeiras riquezas do ser humano. As pessoas, ao invés de entupirem seus cartões, cheques e tudo o mais com banalidades, com futilidades que se rasgam e se quebram no dia seguinte, deveriam procurar saber quanto vale um abraço, um aperto de mão, uma visita sincera, um diálogo amigo, uma ajuda num momento de necessidade, um pão para quem tem fome.
Se Belchior levou ouro para ofertar quando do nascimento do menino em Belém, Baltasar presenteou com incenso e Gaspar ofereceu mirra, o fizeram diante suas hierarquias de sacerdotes e para simbolizar com o gesto a nobreza do pequenino que nascia, sua importância para a religiosidade e o caráter de imortalidade que passaria a ter dali por diante. E o que pretendem simbolizar essas pessoas que andam se atropelando pelo comércio para se endividar cada vez mais?
Além disso, e não há como esquecer, do mundo de aparências que se forma por toda parte. Quem decisivamente não gosta do outro e fala mal deste durante os onze meses do ano, quando chega dezembro vai com mil abraços, beijos, desejos de um monte de coisas. O inimigo de fogo a sangue de repente é escolhido como amigo secreto do outro, e então vão trocar presentes e serem amigos por um dia. Isso é simplesmente ridículo.
Enquanto isso, as luzes apagam mais cedo em certos lugares porque não haverá nenhuma ceia, como não houve almoço nem café da manhã, não há árvore de natal enfeitada nem troca de presentes, apenas a certeza que o natal existe. E antes de deitarem de barriga vazia, ainda assim os vizinhos de sorte se cumprimentarão e se desejarão um feliz natal e próspero ano novo.
Bastaria-me ganhar um presente vindo destas vozes e com estas palavras. Seria verdadeiramente um feliz natal.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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