SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

NATAL SERTANEJO (Crônica)

NATAL SERTANEJO

Rangel Alves da Costa*


Por uma velha estrada de terra batida, quase vereda mesmo, que liga Poço Redondo a Canindé do São Francisco, seguiam os três reis magros. Não eram magos não, eram magros mesmo, até raquíticos, esqueléticos, parecendo saídos das páginas de Graciliano ou do pincel retirante e humano de Portinari.
Era noite de lua cheia. Lua bonita e volumosa, cor de ouro e sangue, com matizes parecendo lágrimas que se derramavam sertão adentro, na noite afora, pois era noite fechada e perigosa, iluminada somente pelo clarão lá de cima. Quantos mistérios embaixo daquela lua e quantas noites enganando o luarar, que de tão sublime apenas tentava iluminar!
E que lua bonita, dizia um; não compadre, ali é a estrela-dalva, disse o outro; e o terceiro ajuntou que o segundo tinha razão, vez que era natal e iam precisamente visitar o filho do compadre José e da comadre Maria, que havia nascido lá pelas terras dum roçado chamado Belém.
Ter respeito e consideração aos amigos é assim mesmo no sertão. Mesmo sem ter um pedaço de pano, uma chupeta ou quilo de farinha pra levar de presente iam assim mesmo, segundo prometeram aos amigos. Se todo mundo era pobre, ao menos a amizade afastava as dores do infortúnio e fazia chegar a todos a valentia para guerrear debaixo do sol pela sobrevivência.
Em plena noite de natal e os três velhos sertanejos a caminho de Belém. Todo mundo estava sedento e faminto, já cansado e sem ver a hora de chegar para dar as boas vindas ao infante, desejar-lhe muita sorte naquele mundão que só vive quem tem proteção divina, depois sentar num banquinho e prosear sobre o acontecido e o inexistente.
Mas o caminho era longo, e longo demais para chegar lá numa caminhada só, sem pausa ou descanso. E assim assuntaram e chegaram ao entendimento de que parariam para descansar um tiquinho em cada casa de lamparina ou candeeiro aceso que fossem encontrando.
Avistaram a tapera mais humilde jamais vista em todo o sertão. Estava com a porta aberta e um pequeno facho de luz iluminando o que pudesse existir lá por dentro. Achegaram-se mais pra perto, bateram palmas e fizeram o anúncio costumeiro de que quem estava ali era amigo e de paz, tinha vindo em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e ficaria muito agradecido se fosse recebido para um copo d'água, se tivessem.
Surgiu na porta do barraquinho um meninote com uns seis anos mais ou menos, vestido apenas com um calçãozinho, cabelo bom e escorrido, sorriso na face que parecia maior que a lua. A primeira coisa que ele perguntou se aquela era mesmo a noite de natal.
Recebendo resposta afirmativa, então desejou a todos um feliz natal e em seguida disse que só não daria um presente aos três velhos sertanejos porque só tinha uma ponta de vaca. E ela era de brincar, não podia dar não.
Os reis magros perguntaram onde os seus pais estavam e o sertanejinho respondeu que eles chegariam logo, pois haviam saído para conseguir uma comida bem boa e diferente para aquela noite.
E disse ainda que já sabia que era natal porque ouviu dizer que na cidade grande os meninos da idade dele recebem presentes caros, muitos doces e comidas de todo jeito e fazem uma festa bem grande para comemorar o nascimento de um certo menino.
E os três reis magros perguntaram se ele sabia quem era aquele menino nascido na noite do natal. E o garotinho respondeu que sabia sim e que até conhecia ele. Os sertanejos se espantaram com a afirmação e pediram a ele pra contar o que sabia sobre aquele fato.
"É não, não conheço ainda não, mas um dia vou conhecer. Mas se eu já tivesse visto e conversado com ele, tinha certeza que seria igualzinho a mim, pobre e feliz, sem ter nenhum presente, mas muito feliz com o nada que tem. Ele seria assim como eu, assim feliz e triste, mas de uma tristeza que não dói porque pobreza não é doença de doer na gente. Mas um dia vou ser bem grande como aquela estrela ali".
E apontou para uma estrela diferente, que repentinamente surgiu no céu, com uma luz que parecia descendo por onde estavam. É a estrela de Belém, é a luz do natal sertanejo, disse um dos três reis magros.
E não demorou muito para que os pais do menino chegassem com a ceia completa: carne de preá com pães já de muitos dias. E foi uma benção divina ter aquela fartura naquela noite de natal sertanejo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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