O CEGUINHO DA IGREJA
Rangel Alves da Costa*
O ceguinho chegava cedo à igreja, entrava pelos fundos, lá pelos lados da sacristia, e depois de trocar a roupa normal por uma esfarrapada, de pobre mais pobrezinho, conversava por alguns instantes com o padre. Era nesse momento que lhe repassava os trinta por cento da esmola do dia anterior, conforme o combinado, e em seguida ia sentar ao lado da porta da entrada do templo cristão.
Um resto de chapéu na cabeça, paletó todo encardido e com mais de cem buracos, acompanhava uma calça ainda em situação pior. E que olhos mais tristes o do homem, todo pesaroso e até com a face um tanto suja de carvão que era para dar um aspecto de pobreza imunda. Ora, se o pobre fosse limpinho não era pobre, o povo logo poderia pensar e negar a esmola.
E assim o ceguinho se colocava todos os dias no seu lugar de sempre, bem na entrada da igreja, onde se presume que as pessoas que vão ali estão de bom coração, aberto para a caridade. E logo para um ceguinho, coitado, que se lamentava de tal destino quase chorando. E assim, mentindo vergonhosamente, balançava sua caneca de alumínio só para ouvir feliz o tilintar das moedas ou observar o reflexo da nota caindo.
Uma esmola para o ceguinho! Pelo amor de Deus, uma esmola para o ceguinho. Quem não o conhecia, ainda não sabia de sua treita, prestava o favor caridoso achando que estaria dispensando na hora uns tantos pecados. Mas quem já conhecia o safado, ia ali depositar o dinheiro com outras intenções.
É que o ceguinho era fofoqueiro de marca maior, via tudo, enxergava tudo, inventava quando não sabia, com a intenção de garantir seu ganha-pão e garantir a porcentagem do padre. Nesse contexto, as madames da sociedade, beatas e outras fofoqueiras do lugar se aproximavam da igreja e logo iam passar perto do ceguinho para saber se ele tinha alguma fofoca fresquinha para vender.
E todas já conheciam a senha, o mote: Uma esmola para ceguinho! Essa é das boas, e custa doistões. E quando a madame baixava a cabeça para colocar a esmola na caneca ouvia a notícia completa. E assim continuava o ceguinho. Uma esmolinha pelo amor de Deus. É de arrepiar e custa trêstões! E lá ia a mulher pagar para saber da vida dos outros.
Certa vez, como quem tem grande visão, o ceguinho resolveu aperfeiçoar seus serviços de fofoca. Teve uma grande ideia e disse ao padre que poderiam enriquecer se ele topasse ajudar no seu intento. Quando soube do que se tratava, o sacerdote se benzeu três vezes, mas por fim decidiu que não era um pecado assim tão grande se praticado na porta, portanto fora da igreja. E como não podia deixar de ser, exigiu dividir meio a meio os lucros.
A grande ideia do ceguinho consistiu numa estratégia até muito simples, plenamente realizável a cada dia. Bastava que o padre esmiuçasse a vida das mulheres no confessionário e em seguida repassasse as verdades arrepiantes e as coisas cabeludas para o ceguinho. Daí em diante bastava cobrar o preço que quisesse. Vivendo exclusivamente da vida alheia como eram aquelas falsas religiosas, até em banco tomariam emprestado dinheiro.
E dito e feito. E o ceguinho começou a implorar: Uma esmola para quem não vê a luz do dia! Mas viu uma coisa que você não vai acreditar e custa vinte contos de réis. E a dita catava na bolsa e depois ficava sabendo que a mulher do padeiro tinha um caso com o leiteiro. E assim ia tocando o negócio. Cem contos para saber que a filha do prefeito tomou remédio para desembarrigar de três meses.
Mas um dia aconteceu uma coisa inesperada. É que chegou um marido preocupado perguntando quantos contos ele cobrava para saber se a mulher o estava traindo. E o pobre do ceguinho achou de responder que o padre havia dito que esse segredo não tinha preço que pagasse, pois até ele mesmo era amante da tal mulher.
E o que se viu em seguida foram cenas hilariantes: o ceguinho e o padre correndo pelo meio do mundo e o marido traído correndo atrás com uma peixeira afiada que até alumiava ao sol.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário