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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 3 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 3

Rangel Alves da Costa*


E o pai de Maria, vermelho de raiva, mandou que ela repetisse o que havia dito.
E sem pensar nas consequencias, ela repetiu palavra por palavra.
Disse que era linda, disse que era flor, disse que tinha olhos de mar e cabelo de sereia, disse que tinha a pele de maçã e corpo de lua crescente. Disse que sabia quem era e como era e que nada na vida poderia fazer ser diferente.
Recebeu um tapa na cara que rodopiou e caiu. Ainda no chão foi puxada pelos cabelos e ordenada que levantasse imediatamente que era para apanhar mais.
Levantou e apanhou novamente e dessa vez foi parar arriada por cima da cama. Toda dolorida, com a alma dilacerada, levantou sozinha e perguntou se o pai queria lhe bater mais.
O pai baixou a cabeça, ficou pensativo por instantes, deu uns três murros na parede e saiu resmungando ódios e aberrações.
O pouquinho que deu, Maria ainda o ouviu dizendo que quem já se viu se criar menina moça pra se achar bonita e o mundo querer saber que ela é assim. Haveria de matar o mundo...
Ainda dolorida e ressentida pela violência do pai, voltou para o cantinho do quarto, sentou no chão de barro e começou a chorar, a chorar e a chorar, sem conseguir juntar qualquer pensamento.
Sua mãe afastou com a mão o pano que servia de porta, foi entrando devagar, toda tristonha de dá dó, se aproximou da filha, sentou ao seu lado. Mãe desesperada, mãe.
Sentada ao lado filha que ainda chorava, começou a chorar também, e ainda sem dizer nada colocou a cabeça da menina no seu ombro e cada uma chorava para um lado.
Não diga nada minha filha. Ouvi tudo minha filha. Não vim me intrometer porque senão ia ser pior. Seu pai não ouve ninguém, nem a mim. Pedra encalecida perde pra ele, minha filha.
Não diga nada minha filha. Vou lhe dizer uma coisa e talvez fique com raiva também de mim. Mesmo com toda aquela violência, perto de você seu pai é um anjo e faz tudo por amor de pai.
Não diga ainda nada, minha filha. A gente só tem você na vida, que não é somente filha, mas também é a coisa mais linda e mais preciosa do mundo. É querendo o melhor pra você que ele diz e faz essas besteiras.
Ainda não diga nada, minha filha. Seu pai tem ciúme de pai, seu pai quer proteger você como todo pai quer proteger uma filha que ama demais. A forma de proteção é que é o problema.
Espere que você fala já, mas ainda não diga nada. Ele sempre vai querer proteger você como se fosse uma eterna criança, como se você já não estivesse mocinha e desarnada.
Só mais uma coisa, minha filha. O problema maior é colocar na cabeça dessa pedra bruta que você não nasceu pra viver trancada nesse mundo, pra não conhecer como é a vida lá fora, sem falar noutras coisas que Deus me livre só de pensar.
Ademais, minha filha, como mãe, mesmo que isso me doa no coração, tenho que aos poucos está chegando a hora de você sair dessa vida, dessa solidão, de olhar o mundo de frente pra conhecer suas faces de prazer e de dor.
Maria, que já estava muito mais confortada pelas palavras de apoio da mãe e pela sua presença ali, afastou-se um pouco do seu ombro e perguntou se ela podia ouvir duas palavrinhas suas.
É um segredo mãe, é um segredo que tenho pra contar.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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