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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A VINGANÇA DA VIDA (Crônica)

A VINGANÇA DA VIDA

Rangel Alves da Costa*


Contrariando o que muitos imaginam, não é a morte a vingança da vida; não é com o fim de alguém que a vida faz sua desforra, cobra com a misteriosa moeda daqueles que não souberam vivê-la.
Pelo contrário, em muitos casos é a vida a vingança da morte. E uma das formas da morte se vingar da vida é a imposição de um justo, longo e duradouro sofrimento, àqueles que se dão ao direito de subverter a ordem mínima de sobrevivência.
Afastando a morte como a vingança da vida, vez que se unem em perfeita comunhão para mostrar a existência como um ser e um não-ser, há que se indagar então: como e quando se expressa a vingança da vida?
Ora, não precisa ser sábio ou filósofo para saber que a vida é o percurso da existência onde é permitido ao ser humano, como um dos tantos seres eleitos para viver, agir para justificar que existe.
É, pois, na ação de cada um que há a justificação de ter sido permitido viver. Quando esse viver passa a contradizer a própria vida é que ponteia a vingança.
Observando-se que a natureza é o cenário da vida e nela o homem age modificando com a justificativa de sobrevivência, é no seu contexto que a vingança de vez em quando mais claramente se expressa.
As desertificações, os campos imprestáveis à produção, os assoreamentos, ás águas que escorrem desenfreadamente invadindo tudo, as encostas dos morros que desabam, os incêndios que surgem do nada em meio ao mato seco, as espécies da fauna e da flora em extinção, tudo isso é sinal de vingança.
As mudanças climáticas, o aumento insuportável do calor, a descaracterização nas estações, os ventos quentes que surgem no lugar da brisa, as secas que surgem onde as chuvas deveriam ser abundantes, as trovoadas, as tempestades, os vendavais e as consequentes destruições, nada mais são do que faces da vingança da vida.
Como a vida se vinga diante da falta de Deus nas pessoas, da pouca fé existente e da negativa de comunhão com os preceitos bíblicos? Ora, a vingança está espelhada numa gente sem norte, num povo sem sorte, numa sociedade à mercê de modismos degenerativos, no enfraquecimento das relações familiares, no empobrecimento das relações de afeto e de amizade.
A violência, a desumanidade, a rudeza do homem para com o seu semelhante; a falta de respeito para com os pais, os mais velhos e as crianças; o medo em cada olhar e a arma em cada língua e em cada cintura, a falsa acusação, a mentira proliferando em cada ato e cada fato, a falta de solidariedade e de respeito às leis e ao bem comum, tudo isso é vingança da vida perante o homem que nunca aprende as mínimas lições de convivência harmoniosa.
A proliferação das drogas, a morte pelas drogas, a existência uma droga por causa da droga, a droga que faz roubar, matar o próximo e destruir famílias, a droga que todos conhecem e poucos querem desconhecer, a droga que vive batendo às portas do corpo e á convidada a entrar. A droga que é vingança porque o homem, expondo sua fraqueza perante o vício, parece não merecer viver.
A vingança da vida também está nas igrejas, nas salas e nos quartos das casas, nos conventos e nos mosteiros, nos confessionários e onde existam pessoas que fazem o que, por servirem de exemplos, não deveriam fazer. A perversão da ordem moral e espiritual é vingança que recai sobre aqueles que pregam as linhas da vida e vivem num emaranhado de nós.
E o que acontece quando a vida começa a se vingar? Simplesmente assumirmos nossos erros e tentar salvar a existência que nos resta, pois certamente terão que surgir outros e outros mundos, até que um dia a humanidade dê certo. Contudo, não sei se vale a pena arriscar.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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