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domingo, 5 de fevereiro de 2012

E SE... (Crônica)

E SE...

                                       Rangel Alves da Costa*


E se... Porque nada na vida já se aperfeiçoou completamente, porque tudo poderia mudar ou ser diferente, porque o que aparenta ser possui outra essência íntima, e porque há sempre lugar para o novo acontecer, tudo pode ser reticências.
Daí que nessas tardes de incertezas, de ventania trazendo sempre folhas secas com novas feições, será necessário interromper o raciocínio, hesitar, procurar perceber que tudo poderia ser de outra forma e então suportar a possibilidade, por exemplo, de nem ser quem pensa que é. Pois...
E se a pétala fosse espinho, e este presenteado em buquê, após uma mordida no lugar do beijo?
E se o vento soprasse em outra direção, ao entardecer da manhã, levando todas as boas recordações atadas aos troncos das árvores que se espalhariam pelo ar no lugar das folhas secas?
E se a porta da frente fosse a porta de trás, da cozinha, perto do quintal, e quando a pessoa fosse sair para a rua se despedisse de galinhas, gatos e cachorros, pois na porta de trás, aquela defronte a rua, só há temores e desconhecidos?
E se a carta falasse, toda raiva ferisse, toda saudade chorasse, todo amor se entregasse e toda vontade de chegar logo batesse à porta, em qual papel seria enviada a resposta?
E se todo livro, todo romance ou de poesia, viesse apenas com o título e o leitor se tornasse escritor daquilo que quisesse ler?
E se a história, escrita com H de História, esta mesma que é permeada por guerras, sangue e explorações, de repente se tornasse simplesmente estória, relato descompromissado com dolorosas verdades, não seria mais sublime, mais humana e graciosa?
E se em noites de lua cheia os lobos solitários descessem de suas colinas em direção aos bares e boates, aos cabarés e esquinas de prostitutas, e para seu lugar seguissem os homens que precisam uivar para serem reconhecidos?
E se os pecados dos seres humanos fossem pontuados e a partir de um certo limite cada um pagasse aqui na terra mesmo, e aos olhos de todos, sua cota de sacrifícios, será que continuaria na deslavada reincidência?
E se as águas dos mares, rios e oceanos fossem para caminhar e suas margens e litoral adentro fossem para navegar, para singrar em direção ao desconhecido, será que os náufragos seriam salvos pela selvageria dos humanos que encontrassem?
E se não houvesse silêncio como o pensamento poderia gritar de saudade?
E se existe o beija-flor passarinho para beijar a flor, por que não existe um beija-flor humano para beijar a flor que vive triste na sua janela porque nunca foi beijada?
E se o tempo não fosse tão martirizante, mortificante, cruel demais, decidindo tudo num só instante, ao invés de matar aos poucos com suas doses de anos, meses, semanas, dias, horas, estações, minutos, segundos?
E se o prazer do sexo se tornasse amargo para quem não ama, será que as pessoas continuariam experimentando o intragável somente pelo prazer da gula?
E se os mistérios da vida pudessem ser desvendados e num instante o medo deixar de existir, qual importância da vida sem a misteriosa presença do desconhecido?
E se quem partiu porque quis, sem motivo algum, nunca mais encontrasse a porta aberta, será que feriria tão gratuitamente quem tanto lhe ama?
E se de repente as pessoas fossem forçadas a continuar fazendo somente aquilo que fez e faz de errado, existiria remorso ou pedido de perdão, ou procurariam fazer o certo porque sabem que está errado?
E se todo belo poema já nascesse com uma flor perfumada, sua cama ficaria em qual lugar do jardim?
E se eu não te amasse tanto assim, o que seria de mim, o que restaria de mim?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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