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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O ADEUS

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O ADEUS

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
O adeus se constitui num dos momentos mais tristes na vida das pessoas. Quem vai partir se entristece porque vai ter de se voltar para trás e olhar mais uma vez para a família, para os amigos, para o amor que chora. Para os que ficam, cada lenço branco que é acenado é como se aquele pedacinho de pano pudesse encobrir a estrada para seguir em paz e retornar com felicidade.
Estava um ano muito difícil. A seca castigando demais já não deixava muita esperança de sobrevivência para a família. E uma família imensa de apenas três pessoas: o pai, a mãe e o rapazinho. Então este decidiu que ou viajaria para outro lugar em busca de emprego, e de lá enviaria algum trocado para manter os seus, ou estes sucumbiriam sem piedade.
Quando falou à mãe sobre a decisão de seguir pela estrada foi como o mundo caísse. A velha se juntou em prantos que parecia a coisa pior do mundo que estava prestes a acontecer. Soluçando, olhava silenciosa nos olhos do filho e então se derramava ainda mais em prantos. Assim que soube, tendo conhecimento da necessidade e da coragem do filho para o ato, o pai apenas baixou a cabeça e saiu pra fora de casa. Pôs-se debaixo de um velho umbuzeiro e ali também chorou seu lamento.
Coitado do rapaz, e logo agora que estava prestes a pedir a mão da linda moreninha em casamento. Levá-la consigo não poderia. A moral e o costume interioranos não permitiam. A mocinha era de família pobre, porém respeitosa e reconhecidamente valorosa na região. Afrontar a honra familiar era coisa que não se fazia por ali de jeito nenhum. O jeito que tinha era falar a verdade sobre a situação e dizer que assim que chovesse estaria de volta. Talvez ela compreendesse.
Compreendeu, mas depois de dois desmaios seguidos. Depois que a velha senhora jogou goela adentro um chá morno de hortelã é que a mocinha conseguiu abrir os olhos para chorar novamente. Só perguntou quando ele estaria de partida e saiu correndo para se jogar no varal da cama quase em tempo de morrer de tanto sofrimento.
Mala arrumada com quase nada, no dia seguinte tudo ao redor parecia velório. Não se via um rosto alegre, um sorriso, um olhar que não estivesse molhado. A mãe abraçou o filho e não queria mais largá-lo de jeito nenhum; o pai apenas olhava sem sequer procurar aproximação. Baixava a cabeça, ficava de costas e passava o lenço pelo nariz. Chorava por dentro mais do que tudo.
Ele achou estranho que o seu grande amor não estivesse por ali para a despedida. Olhava de canto a outro e nada de encontrá-la. Mas por outro lado também achava melhor que fosse assim, pois nem ele suportaria pegar a estrada olhando pra ela. Mas sabia que ela estava por perto acompanhando tudo, forçada a ver seu futuro esposo fugindo da seca e em busca de um sonho.
Ele já abrindo a cancela ao longe e os lenços continuavam tremulando no adeus. Mas antes de passar a corda viu alguém correndo pela estrada. Era ela, o seu grande amor, talvez chegando para se despedir. Mas de repente parou, ficou em pé quando já estava bem próxima, e foi então que disse num grito: “Volte antes que seu filho nasça, pois estou esperando um menino seu!”.
Ele largou a mala no chão e saiu correndo ao seu encontro. Foi um abraço tão apertado e tão demorado que o tempo começou a mudar sem ninguém perceber. No horizonte escurecido, os trovões começaram a roncar e as nuvens também grávidas faziam chover trovoada. Festa no sertão e os dois ainda abraçados. E dizem que continuam até hoje.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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