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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

UM DANÚBIO TODO AZUL (Crônica)

UM DANÚBIO TODO AZUL

                             Rangel Alves da Costa*


Nunca fui à Áustria, não conheço sua capital vienense e muito menos passeei às margens do Rio Danúbio. Em sonho, certa vez cheguei até sua nascente na Floresta Negra alemã, indo até onde deságua no Delta do Danúbio, na Romênia. E que viagem maravilhosa atravessando belíssimos vales, rochedos escarpados, paisagens verdadeiramente deslumbrantes.
Mas talvez porque antes de deitar tivesse me deliciado ouvindo as valsas vienenses de Johann Strauss II - filho do outro genial artista do mesmo nome -, sendo o Danúbio Azul (“Sobre o Belo Danúbio Azul”, na tradução alemã) incontestavelmente uma das mais belas. As valsas de Strauss são reconhecidamente belíssimas
Diz a letra: “Danúbio tão azul, tão brilhante e azul, através de vales e campos, você flui tão calmo, nossa Viena cumprimenta, sua corrente de prata, através de todas as terras você alegra o coração com suas belas praias. Longe da Floresta Negra você se apressa para o mar dá a sua bênção para tudo. A leste de fluxo, acolhe seus irmãos, uma imagem de paz de todos os tempos! Os antigos castelos são visíveis de baixo para o alto, agradecendo seus sorrisos de suas íngremes colinas escarpadas, e vistas das montanhas espelham em suas ondas dançantes...”. E prossegue belamente a composição.
Mas logicamente o que ouvi repetidamente vinha sinfonicamente orquestrado, como sempre acontece para o deleite da melhor música clássica. Os sons nos chegam como voos, viagens, delírios fascinantes, segurando na asa do vento e valsando naqueles nobres salões, de requinte espelhado e brilhos por todos os lados. A nobreza europeia, com seus adornos luxuosos, para o passo, silencia e olha o estranho visitante chegando.
Quem estranhamente chega sou eu, com minha roupa de todo dia, calça jeans e camiseta, usando uma sandália qualquer, e melhor se for havaiana já desgastada. Pois é, quem chega sou eu, porém poderia ser qualquer um, desde que soubesse sonhar o meu sonho. Aliás, noutros salões menos luxuosos já se tocou a mesma valsa para o sorriso e a lágrima da bela debutante.
Não há festa de quinze anos que não haja valsa, e não há valsa se não for Danúbio Azul. A linda mocinha, com seu vestido comprido e todo adornado de pequenos sonhos, de tão encantada com esse momento maior e só dela, nem sabe ao certo se está dançando, rodando lindamente pelo salão, com seu pai, seu irmão ou seu namorado. E em seguida chegam as amigas acompanhadas e a noite valseia como barco encantado singrando as águas do Danúbio, nessa noite tão rosamente azul.
Não muito longe dali, não propriamente num salão mas numa sala, imensa e melancólica, a senhora solitária abre mais o cortinado da janela para entrar com mais vigor o ar fresco da noite e depois se encaminha em direção ao toca-discos, relíquia de instantes de compartilhamento amorosamente familiar. Que saudade dele, com seu passo tímido e seu rodopio que acabava tocando no seu lábio.
Calmamente coloca o vinil de uma coleção primorosa que possui, e dá passos leves em direção ao meio da sala. É noite, com pouca luz iluminando, apenas duas ou três velas acesas no candelabro, o vento em aragem entrando e valsando com ela. E que bela senhora tornando mágica a sua solidão, bailando leve sobre as águas do Danúbio, talvez recordando chorosa um tempo de grandes felicidades.
Mas eu entrei no nobre salão da monarquia europeia sem nenhuma intenção de chegar até lá. Não gosto dessa nobreza requintada demais, cheia de não-me-toques e leques de fina seda, moderando em tudo, talvez sem saber o quanto valha o despojamento festeiro. Vi quase máquinas vestidas com roupas estranhas, agindo mecanicamente, sempre no compasso dos exageros da etiqueta. Mas por outro lado, um povo imensamente feliz pela escolha musical que fazia, pois naqueles grandes salões não se ouvia senão os grandes compositores, a nata da genialidade musical.
E naquele momento que entrei bailava-se exatamente no compasso de Strauss e seu Danúbio Azul. E foi como não me importasse mais com nada, vez que não estava mais ali, não estava mais em meio a monarcas, rainhas, condes e condessas, cardeais e toda a nobreza, mas sim viajando pelas nuvens, me deliciando nos salões etéreos, e logo pousando no alto de uma montanha bem defronte ao corpo ondulado e azul do Danúbio. As águas calmas e serenas, o azul suavemente sublime, seguindo viagem, seguindo em frente, mas chorando por dentro por ter de deixar para trás tantas paisagens maravilhosas.
Mas ele sabia que adiante tudo era mais deslumbrante ainda, pois logo se ouviria o som daquela valsa maravilhosa em sua homenagem. E eu observando tudo com medo de acordar.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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