SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

LUA CHEIA (Crônica)

LUA CHEIA

                                          Rangel Alves da Costa*


Dizem que num lugarejo distante, lá perto do meio do mundo, o cotidiano das pessoas era dividido em duas situações diferentes: antes e depois da lua cheia surgir.
Lua cheia, como todo mundo sabe, é aquela fase onde a lua reflete sobre a terra na sua totalidade. Na lua cheia o disco lunar está completamente iluminado. E a força desse clarão refletido na terra traz consequencias imprevisíveis.
Quando a lua está totalmente iluminada os corpos também se acendem, se enchem de chamas. Os pensamentos afloram, os desejos se tornam incontidos, a sexualidade se torna vulcânica. Os lobos uivam nos seus montes, outros animais desandam a fazer besteiras, a pedra abre os olhos para chorar de saudade, as árvores começam a desesperadamente voar. Os passarinhos se escondem. Dizem...
Na lua cheia os gatos não miam, mas falam gritando, com gemidos roucos, chamando a gataria para compartilhar safadezas. Dizem que o vento perde a noção de direção, se torna ventania e vai entrando pelas janelas das moças solteiras. E a primeira coisa que faz é jogar os cobertores pelo ar. Quando as virgens se alvoroçam já é tarde demais. As portas e janelas batem como se quisessem sair do lugar. Muitos pedem para ser acorrentados antes dessa fase da lua chegar.
Os doidos enlouquecem ainda mais, gritam, urram, soltam grunhidos terríveis. Querem voar, querem sumir, querem apaixonadamente amar a lua. Sobem nos montes e de braços abertos imploram para que o cavalo de São Jorge venha buscá-los. Os cemitérios se agitam, as catacumbas se abrem, defuntos passeiam com flores mortas nas mãos. Os cachorros se engatam na voracidade do sexo. Muita viúva já foi vista completamente nua e correndo faminta atrás de macho.
Mas no lugar descrito acima, aquele em que a vida se diferenciava entre o antes e o quando a lua cheia chegava, a situação era ainda mais vexatória e complicada. Difícil descrever tanta insanidade, tanta volúpia, tanto afloramento de prazeres, tantas revelações em pessoas insuspeitas, tanta loucura mais louca ainda, tanto festim desajuizado, tanto tudo.
Um dia antes de a lua surgir repleta e misteriosa, naquele brilho estonteante de realmente ensandecer qualquer cristão, duas beatas corriam para a igreja e imploravam de joelhos para que fossem amarradas ao pé da cruz. Tinham medo que o ouro lunar despertasse os desejos escondidos que tanto sonhavam em praticar. E se o padre aparecia, tentavam se soltar a todo custo e se meter debaixo da batina do homem.
Este, o padre, nem se fala. Durante o período de lua cheia não saía da igreja de jeito nenhum, trancando-se na sacristia a rezar incontidamente para aliviar os tantos pecados que carregava nas costas e, logicamente, por debaixo dos paramentos. Mulherengo que só, se sentia ainda mais possuído pelos desejos incontidos em fazer outras confissões amorosas às sonsas beatas e ás pecadoras que chegavam ali com cara de santa. E às escondidas todas iam sendo abençoadas no antro que era a sacristia.
O doido subia no telhado e lá ficava gritando enciumado, perguntando se a lua de mel havia feito amor com outro. E dizia que ia pegar uma escada que desse pra chegar até lá e acabar de vez com aquela história do dragão que nela fazia moradia. Chamava São Jorge de corno e dizia que a lua era dele, só dele. Mas com a doida era diferente, pois ficava numa sanidade tamanha que chegava a temer por aquela maluquice toda do povo em polvorosa.
Debaixo do clarão da lua rapaz virava boiola, aviadado paquerava as mocinhas, o mais sisudo dos homens saía pulando corda, rodopiando com bambolê e dando incontidas gargalhadas. A doceira colocava dois quilos de sal na cocada, o carteiro chorava lendo as cartas de amor de canto a canto da cidade. Uma solteirona esperta, mulher de mais de sessenta, fugiu da cidade no dia anterior e só apareceu por ali pra fazer o rapaz inocente assinar papel de casamento. Quando a lua partiu já havia acontecido a lua de mel.
Creio que eu não precisaria estar lá para enlouquecer mais ainda. Reconheço-me insano na mesma proporção da insanidade daqueles que, sem razão, amam demais. Mas não atiro pedras. Mas canto meu amor na janela e jogo flores.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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