SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SOFRIMENTO E OTIMISMO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SOFRIMENTO E OTIMISMO

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Não precisa nem dizer onde se deu essa conversa, pois no sertão inteiro, de cabo a rabo, em todo pé de cerca ou vizinhança que houver, será sempre fácil encontrar dois caboclos dialogando sobre suas sinas.
Mas o estranho que se possa achar nesse fato é que mesmo com a seca destruindo tudo, a prolongada estiagem deixando bicho, planta e homem sem esperança e tendo ao redor cada vez mais padecer e sofrimento, ainda assim agem com uma inabalável certeza que a qualquer momento tudo poderá ser diferente.
Assim, segurando na madeira apodrecida de uma cerca prestes a desabar e bem na proximidade de ossadas de animais mortos dias atrás, dois vizinhos, cada um forçando o olhar para mirar o sol cada vez mais quente, puxam a conversa de sempre:
“Pois é, cumpade, sol estalano assim é sina de que num vem chuva não... Mai cuma todo forno se apaga quano farta lenha ou gais, entonce vamo vê até onde esse brasero vai querê incendiá esse sertão...”
“Truve onte a urtima carrada de parma que aina tinha. Se o gadim já num se sustentava nem em pé direito, agora é que eu que vê cuma fica... Mai cuma o cumpade dixe, essa fornaia ai de se apagá e no sertão a chuva vortá a cair... Num vejo a hora de simiá as semente que guardei, prantá mio e feijão e melancia... E que comilança vai ser...”
“Tomem já tô sem água inté prus menino beber. Tudo tem de ser de tiquinho, pa caneca e pa panela. Mai já tô limpano a caixa d’água, vou limpá o barro do tanquinho, vou deixá tudo bonito esperano as água chegá... Se Deus ajudá vou comprá um frilto e mai dua moringa... Num vai muito dia e vou encher as dua quartinha cum água da chuva e botá na janela pa drumí, poi num há água mió do que água drumida na quartinha...”
“Fale não cumpade, fale não, mai digo que água é boa de todo jeito. Tá veno essa ossada ali, o cumpade deve lembrá de quar vaquinha que era. Aquela merma que o cumpade queria trocá pru dois garrote e eu num quis... Agora ali só os osso pro tempo desfazê. Mai tava pensano em matá aquela outa garrota pintada que aina tá em pé. Mermo maga, matano ia dá pa sustentar a fiarada pru mais uns dia. Pensei, pensei, mai num vou fazê isso não. Sinto argo bom me dizeno que vem coisa boa aí pru riba, que nesse anoitecê pode vim um relampejá e um trovejá. E entoncê cumpade, quando a chuvarada caí vai ser coisa de dá festança. num tô veno a hora de puxá o fole, descê uma relepada de pinga e saí sartando na chuva...”
“Se Deus quisé, cumpade, se Deus quisé, poi num tem sofrimento que num teja seno oiado por aquele de lá de riba...”.
“E Deus num fartou e nem nunca há de fartá cum nóis...”.
 E assim a esperança se faz, o otimismo se mostra, mesmo que a dor queira suplantar as forças do homem. Mas o sertanejo não é apenas um forte, mas principalmente um ser que é da própria natureza divina. Por isso a força, por isso a luta, por isso ainda a vida...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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