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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SABEDORIA DOS TEMPOS

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SABEDORIA DOS TEMPOS

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Afirmam, com toda razão, que a velhice é também um livro antigo cheio de lições, sabedorias, coisas que foram sendo aprendidas ao longo da vida e agora escritas ali, com a tinta da idade, pra quem quiser ler, acreditar e se guiar.
Senhorinha da casa velha, ex-escrava açoitada, colocada no tronco e tendo o seu sangue esguichado pela chibata impiedosa, dizia e está escrito no livro da sabedoria:
“O que mais dói no inocente não é no momento em que a ferida é feita, que a chaga é aberta na pele, no coração e no espírito, mas muito depois, quando todo mundo já parece que esqueceu e somente a gente sente ainda tudo doer”.
O velho feiticeiro bom, um coitado que se dizia encantado porque tinha o dom de curar com as plantas medicinais de quintal e da mataria, dizia:
“As pessoas adoecem quando querem e se curam também quando querem. Muitos vivem procurando doenças, catando males para o seu corpo. O povo tem de saber que as enfermidades também são causadas pela vida rancorosa que levam, pelas maldades que vivem tencionando fazer, pelos maus hábitos e costumes, pelo perigo a que se expõem com suas atitudes negativas. Bastaria que vivessem bem consigo mesmas, respeitando a si e ao próximo, e juro que qualquer copo d’água curaria o maior remorso que se espalhou pelo corpo em forma de doença”.
A velha das tardes na calçada em sua cadeira de balanço, de tanto mirar o horizonte, tanto esperar a ventania do entardecer para travar diálogo, tanto chorar e sorrir com aqueles momentos de relembranças, deixou escrito no livro da sabedoria:
“A juventude é como essa brisa que chega leve de vez em quando e muitas vezes trazendo no ar o cheiro perfumado dos campos. Quantas flores, quantas rosas, quantas orquídeas e jasmins possuem a juventude. Mais tarde, quando a pessoa se torna adulta, se diz responsável e já pensa em arrumar família, se diz que o vento sopra mais forte, com a mesma força do que leva folhas no ar, esvoaça as roupas nos varais, traz poeira e pó, mexe numa coisa e noutra na vida. E é nesse momento que a pessoa deve ter cuidado para o vento não se tornar ventania e destruir o não desejado. E quando a velhice chega e que pelo percurso da atmosfera deveria ser um tempo de ventania, eis que a vida parece começar a parar de soprar até chegar o dia que até mesmo o passo, o comer e o deitar é feito pelo sopro de outro alguém”.
E o velho artesão de sola, sapato e gibão, de tudo que fosse de couro cru, dizia e ficou guardado nas páginas da sabedoria dos tempos:
“O que é a vida senão o couro que se bate, se molda, se fura, costura, afivela e deixa bonito para mais tarde, com o passar dos anos, as lágrimas começarem a pingar por cima e deixar todo trabalho feito feio e encardido?”.
E se você também já se sente velho aproveite a folha que ainda está em branco no livro da sabedoria. A não ser que ainda esteja construindo suas lições para as gerações vindouras.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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