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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: MENINO PASSARINHEIRO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: MENINO PASSARINHEIRO

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Lá pelas bandas esturricadas do sertão todo mundo sabe que menino do mato só tem dois comportamentos com relação a passarinho: ou é caçador do bichinho, atirando de peteca ou armando arapuca para aprisioná-lo e depois assar na brasa, ou é o maior amigo que possa existir.
E Zezinho não só era amigo como se dizia parente, até irmão. E como gostava muito de sua família e procurava preservá-la acima de tudo, muitas vezes saía arrumando briga com os outros meninos que encontrasse pelas matas com petecas, estilingues ou baleadeiras. Não deixava qualquer arapuca de pé e destruía todos os laços armados perto dos ninhos.
Essa luta não era apenas contra os meninos caçadores, mas também contra animais que podiam ameaçar a vida dos passarinhos, principalmente os ninhos que se espalhavam pelos ocos dos paus, nas galhagens, nas tocas das pedras e até no chão. Se via que um ninho estava fácil de ser alcançado por cobra que gosta de comer ovos de passarinho, então pegava cuidadosamente o pequenino leito e mudava de lugar. Depois ficava esperando a mãe passarinha chegar pra fazer tudo pra ela compreender onde o ninho estava.
Na verdade, quando era menorzinho até que já havia sido também caçador e até mantido um viveiro no quintal de sua casa, por cima de uma velha mesa. Ali havia curió, sabiá, coleirinha, azulão, tiziu, rolinha fogo-pagô, canarinho e cabeça. Mas um dia percebeu que outros passarinhos chegavam ao umbuzeiro que havia ao lado e ficavam ali parados como se olhassem para os seus irmãos aprisionados. Entristecidos, não cantavam e quase não mexiam as penas. Certa vez um ficou ali tanto tempo e tão angustiado que caiu do galho já morto.
A partir desse dia, Zezinho decidiu que nenhum passarinho morreria mais por causa dos outros passarinhos presos no seu viveiro. Abriu as portas e demorou quase um dia pra todos eles saírem. Alguns já não sabiam o que era liberdade e até tinham medo de voar, outros batiam as asas e caíam no chão. Foi preciso ele mesmo encaminhá-los de volta à natureza, à mataria.
E depois, e dias seguidos, saiu procurando-os para ver se já tinham reaprendido mesmo os caminhos da liberdade. E quando chegava sentia logo um esvoaçar de asas nas proximidades e via quando muitos deles se aproximavam, pousando na sua cabeça, descansando no seu ombro. E um dia ouviu um sabiá falar, uma voz fininha e maviosa tão própria dos passarinhos: “Vamos até o meu ninho pra ver meus filhotinhos que nasceram!”.
Foram, porém alguém tinha chegado antes. Uma cobra acabava de alcançar o ninho e já estava prestes a comer os filhotinhos, um a um. Depois desse dia, depois de salvar aquela família, Zezinho decidiu que faria tudo na vida para livrar seus amiguinhos dos perigos da mata.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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