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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O BATIZADO DO MENINO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O BATIZADO DO MENINO

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Nesses interiores distantes, bem lá longe que ninguém pensa que existe, há uma comunidade tão festeira que até em velório se farreia, se bebe cachaça até dizer chega. Tem gente que até aceita que o toque da sanfona entrecorte as incelenças lamurientas entoadas pelas velhas beatas, carpideiras de todo mundo. Mas não sem razão de ser, pois ali todo mundo praticamente tem laço familiar.
Se tem festança em determinados velórios, imagine naquelas ocasiões em que se celebra a vida, como ocorre com os batizados. Muitas vezes nem os pais nem os padrinhos sabem o significado dessa espiritual e religiosa cerimônia, tendo que o velho padre repetir sempre que se trata de um sacramento através do qual se purifica a criança, tornando-a membro da Igreja e abrindo o caminho da salvação eterna.
Torcem para que o padre derrame logo a água na cabeça do chorão porque o pensamento já é outro, já está em outro lugar. A família do batizado é pobre, gente humilde mesmo, dessas que é o maior sacrifício fazer a feirinha com meio quilo de tudo. Contudo, parecendo mágica, daquela vez vão matar o capão que desde algum tempo já engordava no quintal.
Milagre mesmo, pois sempre aparece uma galinha gorda, um pato, uma perna de carneiro. Pra alimentar os poucos convidados já está bom demais, e fica melhor ainda quando chega a caixa de cerveja, os dois litros de cachaça, um de conhaque e outro de rum. Pra mulherada que não bebe nada de álcool e também os barrigudinhos da casa, sempre chega a cajuína. E tudo por conta do padrinho.
Mas quem disse que o padrinho faz qualquer gasto com isso? De jeito nenhum, pois esperto como é, metido à liderança política, pessoa que tem mais de vinte votos pra oferecer, logo procura apoio do vereador seu amigo. Para este será sopa no mel. Como já se aproxima a eleição e se vê meio fragilizado com as acusações de ser comparsa do prefeito em fraudes, roubalheiras e outros tipos de corrupção, então sente que é o momento apropriado para garantir mais uns votinhos.
Daí que não apenas vai participar da festança do batizado do menino como vai levar outras bebidas por fora e, além disso - e o que será verdadeiramente reconhecido pelo eleitor - chegará acompanhado de um sanfoneiro pé-de-serra pra forrozeirar até a batata da perna doer ou o solado do sapato acabar.
E chega o padre pra tomar um vinho – gosta mais de cachaça, mas só bebe da branquinha escondido, e coisa de muitas goladas e muitos porres – e experimentar da galinha ao molho pardo que gosta tanto. Acaba comendo de tudo e ainda pede pra levar um tiquinho pra sacristia.
Enquanto o forró vai comendo no centro e a turma, já animada demais pela pinga, nem lembra que existe pobreza nem amanhã de trabalho e sacrifício.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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