Rangel Alves da
Costa*
É em Nossa
Senhora da Conceição de Poço Redondo, ou simplesmente Poço Redondo, onde sou
verdadeiramente importante. Não porque eu seja diferente de qualquer pessoa,
seja mais respeitado que qualquer cidadão. Pelo contrário. Minha importância
está na igualdade com todo mundo.
Porque sou
igual a todo e qualquer conterrâneo é que me sinto no direito de ser
reconhecido e respeitado, ser visto e valorizado. Porque também respeito e
valorizo. Daí o reconhecimento de minha importância diante daqueles que não se
diferenciam uns dos outros. Queiram ou não, são todos iguais. Desejemos ou não,
somos em tudo semelhantes.
Porque
somos o espelho do espelho do espelho. Reflexo que vem de outros tempos e que
nos faz com a mesma feição. Apenas a moldura parece ter outra aparência para um
retrato que é sempre o mesmo. E colocado na parede única desse imenso sertão.
Sou filho
do mesmo sol e da mesma lua; prole da mesma distância e da mesma imensidão;
gênese do mesmo destino dado por Deus aos outros que vieram antes ou depois de
mim. Por isso sou eu, sou todos e cada um. E não há condição social que possa
fazer distinção entre aqueles que vieram do mesmo cordão umbilical da terra
sertaneja.
E a
igualdade em tudo. Filhos da mesma terra, nascidos no mesmo berço árido do
sertão, aprendendo a caminhar pelo mesmo chão. Pele curtida do mesmo sol,
sangue fervente da mesma seca, esperança própria de qualquer sertanejo. E mais:
Irmãos de mesmo destino, pois tudo que há na - e com - a terra é ressentido
igualmente pelos seus filhos.
Tenho uma
gravata e também um chapéu de couro; tenho um sapato e uma chinela de cortar
chão; tenho uma agenda, mas também tenho um embornal de caçador e um cantil de
matar a sede. E o que não tenho, possuo no meu conterrâneo, pois nele o que lhe
é próprio e também de todos. Assim, o que sou é pelo que somos, e o tudo que
somos está em cada um e todos nós.
Por isso
sou tão importante. E sou ainda mais importante porque possuo reinado e coroa.
Não troco minha cabeça-de-frade pelo cetro mais reluzente; não troco meu rincão
de nascimento pelo castelo encantado; não troco minha condição sertaneja por
qualquer paraíso artificial. Porque sou importante e feliz demais para me
deixar viver além do que sou e daquilo que tenho.
Alguém
duvida dessa importância? Haverá importância, reconhecimento e valorização
maiores que sentir que a sua terra lhe abraça, a sua natureza abriga, o seu povo
acolhe com palavra e afeto? Haverá maior satisfação que estar entre a família e
o irmão? Tudo isso transmite uma importância tamanha que nos sentimos
escolhidos a reinar sobre a terra.
Triste
daquele que se amesquinha diante da grandiosidade; pobre daquele que lamenta o
tanto ter como se pouco ou nada tivesse; frágil espírito imaginar que está ou vive
esquecido quando seu coração clama por gritar de prazer pelo reconhecimento da
vida. E tal tristeza, pobreza ou fragilidade não há naquele que se reconhece
importante pelo que é, e sem ter de inventar o que não é para ser feliz.
Meu
sobrenome está em tantos sobrenomes espalhados por todo lugar. Desde o Poço de
Cima ao Poço de Baixo, pelos seus quadrantes e fronteiras. Alves que também é
Marques, Cirilo, Florêncio, Sousa, Firmino, Santos, Rosa, Gomes. Costa que
também é Santana, Vieira, Góis, Brito, Félix, Vítor, Saturnino. E todos os
nomes e sobrenomes sertanejos.
Cito um
trecho de um belíssimo poema de Fernando Pessoa (sob heterônimo de Alberto
Caeiro) que expressa essa medida que temos perante o que somos. Diz:
“Da minha
aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.../ Por isso a minha aldeia
é tão grande como outra terra qualquer/ Porque eu sou do tamanho do que vejo/ E
não do tamanho da minha altura...”.
E como
somos imensos!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Nobre Professor Rangel: Um dia após eu completar meus SETENTA ANOS - logo que completei dia 27 -, leio esta sua crônica intitulada ONDE SOU IMPORTANTE, e vejo nela, o que já havia analisado sobre sua personalidade. Quando você diz: "Tenho uma gravata e também tenho um chapéu de couro; tenho um sapato e uma chinela de cortar chão; uma agenda, mas também tenho um embornal de caçador", faz recordar quando nos meus primeiros contatos, tratei-lhe de forma correta (Doutor Rangel) e você humildemente me replicou, achando que bastaria tratar-lhe de VOCÊ. Mas, como nossa aproximação era a mínima, e sendo você um doutor do Direito, fiz o que era correto. Portanto, entendi que estava lidando com um cidadão possuidor de grande humildade, além de ser filho de ALGUÉM desprovido de orgulho - o nobre escritor ALCINO ALVES COSTA. Parabéns pela crônica que muito nos ensina. Antonio José de Oliveira - Bela Vista-Serrinha-BA.
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