Rangel Alves da
Costa*
O
esquecimento possui a mesma valorização negativa do desprezo, da rejeição, do
abandono. Quando o alheamento se dá em relação ao ser humano, então se tem um
verdadeiro desrespeito. E se o esquecido for um personagem histórico, e perante
o que representou no seu contexto, surge o que se pode denominar de ingratidão.
Desse
modo, ingratidão é o que se pode dizer com relação àqueles que foram
praticamente esquecidos, principalmente quando ainda estavam vivos, diante de
seus feitos no contexto histórico nordestino. Falo daqueles que corajosamente
lutaram no bando de Lampião, ou mesmo serviram como coadjuvantes naquela saga,
e depois se tornaram de menos importância perante os seus próprios conterrâneos.
Poderiam
até indagar se caberia o termo ingratidão como o mais apropriado para se
referir ao ex-cangaceiro, vez que ingratidão é sentimento que traz consigo,
necessariamente, a ideia de gratidão. E não haveria nenhum motivo de gratidão
para com aqueles que tanto medo e pavor semearam pelos rincões nordestinos. Por
que sentir gratidão por alguém que foi bandoleiro, salteador, sertanejo tão
perigoso? Tal pergunta inegavelmente surgiria.
E
respondo. Não significa sentir gratidão pessoal pelo fato de este ou aquele ter
sido cangaceiro, mas reconhecimento por ter feito parte da própria história
nordestina, por ter vivenciado um momento histórico onde somente os destemidos tinham
lugar. E, também inegavelmente, ele estava lá. E igual reconhecimento por ser
do lugar, por ser conterrâneo, pelo fato de alguém com as mesmas raízes ter
sido personagem de epopéia tão importante, ainda que se abomine a sua prática
cangaceira.
Tudo
mudaria se aquela pergunta fosse feita de outro modo, invertendo-se as
situações: Por que não sentir gratidão por um conterrâneo que no seu pouco
entendimento de mundo, talvez sua inocência, tenha se embrenhado pelas matarias
achando que estava combatendo os males sociais de arma na mão e disposição no
destino? Na indagação alguma forma de reconhecimento, de observação que aquela
luta não havia sido de toda injuriosa.
Contudo, a
verdade é que muitos deles tiveram seus históricos relembrados e reconhecidos
por pouquíssimas pessoas. E, o que é pior, esquecidos de vez pelas novas
gerações. Um pequeno monumento ao cangaço existente em Poço Redondo, ou uma
mureta com algumas inscrições num canteiro triangular denominado Praça Lampião,
faz referência apenas ao rei dos cangaceiros. De um lado há uns versos reputados
como de sua autoria, e de outro seu nome completo com datas de nascimento e
morte.
Esqueceram,
ou não quiseram, contudo, homenagear os próprios filhos do lugar. E por que
tanta desvalorização do conterrâneo, tanta ingratidão com os ex-cangaceiros?
Que Lampião estivesse lembrado no pequeno monumento, mas jamais poderiam apagar
da memória do povo os nomes daqueles que foram liderados pelo homenageado
maior, e que nasceram naquele próprio berço de aridez e carrascais.
E não
foram poucos não. Segundo as pesquisas de Alcino Alves Costa, os homens de Poço
Redondo que seguiram Lampião e seu bando, num total de vinte e cinco, segundo
seus apelidos e nomes, foram os seguintes: Sabiá (João Preto), Canário (Rocha),
Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel Marques da Silva), Delicado (João
Mulatinho), Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (João Francisco do
Nascimento – Zé de Julião), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro
(Antonio), Elétrico, Penedinho (Teodomiro), Bom de Vera (Luis Caibreiro), Beija
Flor (Alfredo Quirino), Moeda (João), Alecrim (Zé Rosa), Sabonete (Manoel),
Borboleta (João Rosa), Quina-Quina (Jonas), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi
(Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos –
Chico Inácio) e Azulão (Luis Maurício da Silva).
Por sua
vez, as mulheres, num total de sete, foram: Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de
Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), Adília (mulher de Canário e irmã de
Delicado), Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de Julião), Dinda (mulher de Delicado),
Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher de Mané Moreno) e Adelaide (mulher
de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea).
Tais
nomes, por força do dever de reconhecimento, deveriam, sim, estar presentes
naquele pequeno monumento cangaceiro. Ao lado do grande líder aqueles que
transmudaram suas infâncias e seus anos mais doces e sonhadores para
compartilhar do grande sonho de alcançar uma imaginária justiça à mão armada.
Mas a verdade é que foram esquecidos, relegados, enterrados de vez da memória
do povo e sua história.
Depois de
tanta luta, de repente é como se a história pudesse ser apagada e aqueles
personagens saíssem completamente de cena. Sequer as famílias procuraram
resguardar os feitos dos seus. Mas também não foi muito diferente com os que
continuaram vivos e por muito tempo permaneceram no mais comum da
sobrevivência. Exceção feita a Sila, e pelos motivos que serão mostrados mais
adiante.
Os demais
existiam, continuavam vivos, mas era como se nenhuma importância tivessem tido
na tão conhecida saga nordestina. E mais ainda depois de falecidos. Será
preciso que os livros relembrem aos do lugar que ali viveram tais pessoas e que
estas fizeram parte da mais alentada epopéia cabocla.
Continua...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Professor RANGEL: Concordo plenamente com suas palavras a respeito dos "ESQUECIDOS CANGACEIROS" do nosso sofrido sertão. Lembrar dessa tão grande quantidade de jovens (inclusive relacionada nas pesquisas do saudoso escritor ALCINO COSTA), seria preservar parte da memória do Municipio de Poço Redondo. Não é, de forma alguma fazer proselitismo do cangaço, mas, lembrar que houve motivos para alguns jovens daqueles dias mergulharem de corpo e alma numa vida de desmedidas aventuras. Antonio José de Oliveira - Bela Vista-Serrinha-Ba.
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