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terça-feira, 23 de julho de 2013

OS ESQUECIDOS (MEMÓRIA E VIDA DEPOIS DO CANGAÇO) - I


Rangel Alves da Costa*


O esquecimento possui a mesma valorização negativa do desprezo, da rejeição, do abandono. Quando o alheamento se dá em relação ao ser humano, então se tem um verdadeiro desrespeito. E se o esquecido for um personagem histórico, e perante o que representou no seu contexto, surge o que se pode denominar de ingratidão.
Desse modo, ingratidão é o que se pode dizer com relação àqueles que foram praticamente esquecidos, principalmente quando ainda estavam vivos, diante de seus feitos no contexto histórico nordestino. Falo daqueles que corajosamente lutaram no bando de Lampião, ou mesmo serviram como coadjuvantes naquela saga, e depois se tornaram de menos importância perante os seus próprios conterrâneos.
Poderiam até indagar se caberia o termo ingratidão como o mais apropriado para se referir ao ex-cangaceiro, vez que ingratidão é sentimento que traz consigo, necessariamente, a ideia de gratidão. E não haveria nenhum motivo de gratidão para com aqueles que tanto medo e pavor semearam pelos rincões nordestinos. Por que sentir gratidão por alguém que foi bandoleiro, salteador, sertanejo tão perigoso? Tal pergunta inegavelmente surgiria.
E respondo. Não significa sentir gratidão pessoal pelo fato de este ou aquele ter sido cangaceiro, mas reconhecimento por ter feito parte da própria história nordestina, por ter vivenciado um momento histórico onde somente os destemidos tinham lugar. E, também inegavelmente, ele estava lá. E igual reconhecimento por ser do lugar, por ser conterrâneo, pelo fato de alguém com as mesmas raízes ter sido personagem de epopéia tão importante, ainda que se abomine a sua prática cangaceira.
Tudo mudaria se aquela pergunta fosse feita de outro modo, invertendo-se as situações: Por que não sentir gratidão por um conterrâneo que no seu pouco entendimento de mundo, talvez sua inocência, tenha se embrenhado pelas matarias achando que estava combatendo os males sociais de arma na mão e disposição no destino? Na indagação alguma forma de reconhecimento, de observação que aquela luta não havia sido de toda injuriosa.
Contudo, a verdade é que muitos deles tiveram seus históricos relembrados e reconhecidos por pouquíssimas pessoas. E, o que é pior, esquecidos de vez pelas novas gerações. Um pequeno monumento ao cangaço existente em Poço Redondo, ou uma mureta com algumas inscrições num canteiro triangular denominado Praça Lampião, faz referência apenas ao rei dos cangaceiros. De um lado há uns versos reputados como de sua autoria, e de outro seu nome completo com datas de nascimento e morte.
Esqueceram, ou não quiseram, contudo, homenagear os próprios filhos do lugar. E por que tanta desvalorização do conterrâneo, tanta ingratidão com os ex-cangaceiros? Que Lampião estivesse lembrado no pequeno monumento, mas jamais poderiam apagar da memória do povo os nomes daqueles que foram liderados pelo homenageado maior, e que nasceram naquele próprio berço de aridez e carrascais.
E não foram poucos não. Segundo as pesquisas de Alcino Alves Costa, os homens de Poço Redondo que seguiram Lampião e seu bando, num total de vinte e cinco, segundo seus apelidos e nomes, foram os seguintes: Sabiá (João Preto), Canário (Rocha), Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel Marques da Silva), Delicado (João Mulatinho), Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (João Francisco do Nascimento – Zé de Julião), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antonio), Elétrico, Penedinho (Teodomiro), Bom de Vera (Luis Caibreiro), Beija Flor (Alfredo Quirino), Moeda (João), Alecrim (Zé Rosa), Sabonete (Manoel), Borboleta (João Rosa), Quina-Quina (Jonas), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos – Chico Inácio) e Azulão (Luis Maurício da Silva).
Por sua vez, as mulheres, num total de sete, foram: Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), Adília (mulher de Canário e irmã de Delicado), Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de Julião), Dinda (mulher de Delicado), Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher de Mané Moreno) e Adelaide (mulher de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea).
Tais nomes, por força do dever de reconhecimento, deveriam, sim, estar presentes naquele pequeno monumento cangaceiro. Ao lado do grande líder aqueles que transmudaram suas infâncias e seus anos mais doces e sonhadores para compartilhar do grande sonho de alcançar uma imaginária justiça à mão armada. Mas a verdade é que foram esquecidos, relegados, enterrados de vez da memória do povo e sua história.
Depois de tanta luta, de repente é como se a história pudesse ser apagada e aqueles personagens saíssem completamente de cena. Sequer as famílias procuraram resguardar os feitos dos seus. Mas também não foi muito diferente com os que continuaram vivos e por muito tempo permaneceram no mais comum da sobrevivência. Exceção feita a Sila, e pelos motivos que serão mostrados mais adiante.
Os demais existiam, continuavam vivos, mas era como se nenhuma importância tivessem tido na tão conhecida saga nordestina. E mais ainda depois de falecidos. Será preciso que os livros relembrem aos do lugar que ali viveram tais pessoas e que estas fizeram parte da mais alentada epopéia cabocla.
Continua...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Professor RANGEL: Concordo plenamente com suas palavras a respeito dos "ESQUECIDOS CANGACEIROS" do nosso sofrido sertão. Lembrar dessa tão grande quantidade de jovens (inclusive relacionada nas pesquisas do saudoso escritor ALCINO COSTA), seria preservar parte da memória do Municipio de Poço Redondo. Não é, de forma alguma fazer proselitismo do cangaço, mas, lembrar que houve motivos para alguns jovens daqueles dias mergulharem de corpo e alma numa vida de desmedidas aventuras. Antonio José de Oliveira - Bela Vista-Serrinha-Ba.