DESCONHECIDOS – 10
Rangel Alves da Costa*
Na metrópole de Nova Paulo, a caridosa milionária Doranice se preparava para deitar após ter realizado uma grande e demorada reunião com empregados e assessores, adiantando os preparativos para a expedição que faria à região mais pobre do país.
Por vontade dela já havia partido há uns cinco dias, mas sempre atrasando seu embarque diante das inúmeras providências que eram tomadas pelas pessoas responsáveis pela organização da viagem. Segundo afirmavam, nada, mas nada mesmo poderia dar errado, de modo que a velha senhora não sentisse nenhum desconforto ou passasse qualquer tipo de vexame em terras tão distantes.
Acompanhariam a viúva duas experientes secretárias particulares, um cozinheiro, dois ajudantes-de-ordem e um responsável por toda a logística da viagem, bem como pelo pagamento de todas as despesas feitas na expedição. Dinheiro certamente não faltaria, principalmente porque cartões de crédito e cheques eram ilimitados.
Ficou então acertado que partiriam, sem nenhum atraso, dali a dois dias. E como fazia sempre, antes de se recolher para dormir, Doranice se dirigiu até o solar diante do jardim e foi passear um pouco por entre os canteiros iluminados e as belíssimas espécies da flora ainda acordadas, com flores de todas as cores que exalavam suaves perfumes e ainda brilhavam àquela hora da noite.
E ela ficou pensando qual sentido teria viver rodeada de tanto luxo e riqueza, com imensos jardins, pratarias, ourivesarias, candelabros de czares e cristais do oriente, num mundo de puro poder e brilho, ainda que a riqueza desse certo conforto ao espírito, não pelo ter, mas sim pelo poder dispor para ajudar ao próximo, como ela fazia.
E ficava imaginando como seria a vida naquelas distâncias que iria visitar, colocando os pés novamente na região onde havia nascido, mas que agora retornava de um modo totalmente diferente do que se poderia imaginar. Ao invés de jardins resplandecentes, talvez a terra árida e faminta; ao invés de pessoas que se preocupam com etiquetas, formalismos e aversões, um povo com identidade verdadeira, humano, com atitudes que refletem suas necessidades.
Certamente fariam tudo para impedir, mas desejaria beber água de moringa, matar a sede com água vinda diretamente do pote novinho, suado, de um vermelho escurecido do barro queimado na olaria. Depois de um doce de leite com bolas grandes, nada melhor do que pegar uma caneca de alumínio limpinha e beber água da moringa fresquinha, pois sempre colocada perto da janela onde o vento bate.
Mas como sabia disso tudo? Ora, mesmo depois de tantos anos não poderia jamais esquecer suas raízes nordestinas, pois o sangue que corria nas suas veias era matuto, caipira, do mato, com muito orgulho. E então por que não voltar até lá, e não somente ao seu berço de nascimento, mas pelas vastidões nordestinas e oferecer àquele povo mais carente um pouco do muito que tinha?
Estava ainda caminhando pelo jardim e pensando esse montão de coisas bonitas e angustiantes quando avistou lá longe, bem distante, por trás de um dos portões dos muros altos que cercavam a mansão, uma figura em pé, segurando nas grades do portão e talvez olhando para o jardim e a sua dona. Não tinha dúvidas que era uma pessoa, pois as luzes transformavam a noite em dia, e pelo que avistava era um menino que estava diante do portão.
Sem medo, sem pretender chamar nenhum guarda para lhe acompanhar, foi caminhando e se aproximando cada vez mais da pessoa. Ali em pé, o desconhecido nem se mexia ao ver a velha senhora se aproximar. Pelo contrário, quando ela estava mais perto falou em bom tom: “Boa noite senhora, que belo jardim a senhora tem?”.
Então ela respondeu: “Mas quem é você e o que faz aqui numa hora dessas?”. “Não se assuste senhora, não tenha medo, sou de paz, não roubo casa de ninguém nem faço mal a ninguém. O meu nome é Carlinhos. Estava caminhando pelas ruas e então enxerguei esse jardim maravilhoso e vim dar uma olhadinha. Mas já estou indo embora. Desculpe senhora. Tenha uma boa noite...”. Foi o que menino falou antes de fazer menção de partir.
“Não, não, espere aí. Você disse Carlinhos, disse que seu nome é Carlinhos? Então você é o menino do sonho de ontem à noite...”.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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