ESTUDO PARA CORDEL: ANTES QUE A LUA VENHA!
Rangel Alves da Costa*
Drummond quer saber de José, Cecília do inconfidente que vai a pé, Castro Alves do navio da escravidão, Vinícius da mulher feito paixão, Casimiro o sofrimento, Augusto o seu lamento, cada um com seu motivo, por isso o poema está vivo.
Mas tem gente por aí, que sem alarde nem luzir, começou a construir uma poesia matuta, no cotidiano a inspiração, a rima forçada no coração. E toda essa poesia, feito água de bacia, lava alma de montão, pois verso feito da terra, verso colhido no chão, contando a saga do povo desse imenso sertão.
Não me canso de dizer, que é pra o povo alembrar, que o poeta de verdade não veio de faculdade nem é doutor no rimar, não tem que ser da cidade, não tem que trazer como herdade da metrópole a verdade.
Pois num lugar bem distante, um caboclo num rompante começa a imaginar que a beleza em sua frente merece mais que um rimar, merece que seja dita como a vida que grita querendo se expressar. Então risca na parede, na madeira com cinzel, em qualquer folha existente aquilo que ele sente, fazendo o seu cordel.
E basta olhar ao redor, no meio do tempo, no sol, para ter inspiração, para surgir a canção do homem no seu sertão, para contar as histórias do misterioso pavão. Cancão, voa que voa cancão que lá vem Lampião de punhal e mosquetão, vem buscar moça bonita pra ser da luta a canção.
E um dia fui lá no sertão e vi porque tanto cordel a sorrir com os causo em difusão, relatando de um tudo, coisa de causar vexação. É que a gente do lugar, por mais não ter que fazer, começa a se entreter em baixo de pé de pau, danando a falar mal de quem não é seu igual. Bastou o cabra mudar que o povo vai falar que algo escondido está.
Isso é desde cedinho, assim que o sol se levanta, quando a vida se espanta, indo nesse monta e desmonta até que o dia até feito, até a hora da janta. Tem que ser durante o dia, quando ferve alegria na língua que quer falar, pois mais tarde é nostalgia, é relembrar que um amor já distante deixou o peito em agonia.
Antes que a lua venha tudo acontece na feira, valente esquece a peixeira quando tá doido pra brigar, já tomou umas e outras e agora só quer matar. Matou boi, matou preá, matou da noite o luar, matou o tempo e a hora que andava devagar, mas homem não mata não, tá mais fácil de apanhar, ele é só conversador, valente demais ao entornar. Mas quando já tá de fogo e não tem mais a dizer, começa a tombar pelos cantos, dormindo sem adormecer, sonhando com o inimigo do cachorro a lhe lamber.
Antes que a lua venha há cadeiras nas calçadas, senhoras mais que encantadas com o que vêm lhe dizer, pois tudo que acontece elas têm logo de saber. São senhoras jornalistas, em tudo caçando pistas para a verdade aumentar, se sabem de algum namorar falam logo em emprenhar, se um marido viajou outro na cama botou, ninguém escapa de nada, dessa tal língua malvada, da faca bem afiada dessas mulheres do lugar.
Antes que a lua venha há mocinhas a passar, corpos de belezura e a paixão em cada olhar, sonhando que a noite venha pra com o cabra encontrar, pedindo que o sol vá embora e a lua venha já, que é pra na escuridão o desejo desmatar, se entregar sem compostura, amando só por amar.
Antes que a lua venha há uma gente mais distante, poucas léguas adiante, que mora com a natureza, que no olhar vê a certeza que a vida é encantamento, que não cabe um lamento ou nada a reclamar, mesmo a pobreza estando em todo lugar. É a pobreza mais rica, a que tem mais poder, só pelo fato de ter a liberdade do viver, o canto do entardecer, a viola a gemer e uma pinguinha a se beber.
E tem muito mais, meu irmão, pois tem o Deus do sertão que é muito diferente daquele da louvação, pois é Deus no passarinho, morando em cada ninho, verdejando na folhagem, nas matas feito miragem, dos caminhos a viagem. É Deus na catingueira, umburana, quixabeira, no canto da seriema, no menino na esteira.
É Deus em tudo e em todo lugar e o sertanejo a pensar que o sertão é a igreja e sua casa o altar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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