SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

DESCONHECIDOS - 7 (Conto)

DESCONHECIDOS – 7

Rangel Alves da Costa*


Certa feita um jornal impresso de renome publicou uma série de reportagens especiais com o sugestivo título “Meninos com Rua”. Vencedor de diversos prêmios, tal trabalho jornalístico abordou os aspectos comportamentais próprios da idade infantil sob a perspectiva dos meninos de rua.
Para conhecer um pouco mais da realidade da infância vivenciada pelos meninos de rua, vez que no geral salta aos olhos essa vida e esse cotidiano, a jornalista Cristina passou dois meses perambulando pelas ruas, encontrando e desencontrando com toda sorte de situações perigosas, entrevistando os seres próprios desse mundo, interagindo com eles, tecendo u uma sincera amizade que lhe valeu confidências essenciais.
Após algum tempo, a jornalista Cristina relataria a amigos que o aspecto mais marcante na realização dessa reportagem havia sido o fato de ter conhecido um menino de rua de nome Carlinhos, que ela descreveu como sendo aquele que apenas está pelas ruas, mas não pertence a esse mundo de tantos outros meninos.
E justificou o que havia dito afirmando que Carlinhos, pela sua inteligente e criatividade para vencer os maiores obstáculos, se mais tarde conseguisse sair ileso dessa sina de lua sob marquises, certamente que se transformaria num jovem promissor. Tinha o tino dos grandes, a mente apta e capacitada para vencer os maiores desafios.
Verdade é que depois de algumas semanas que as reportagens foram publicadas, a jornalista voltou a perambular pelas ruas em busca daquele menino bonito e astuto chamado Carlinhos. Dessa vez não faria nenhuma entrevista, não gravaria nada, não procuraria esmiuçar e desvendar parte daquele mundo aflitivo, mas tão-somente para lhe pedir ajuda.
Isso mesmo, voltou ao local para saber se Carlinhos poderia lhe falar o que motiva as pessoas a serem tão ingratas com quem lhes ajuda a alcançar sucesso. De fato, a jornalista Cristina estava numa situação angustiante, pois havia perdido o emprego mesmo com todo furor e sucesso causado pelo seu trabalho jornalístico. Contudo, não foi possível encontrá-lo dessa vez.
Assim, num desses dias encontrou um bilhetinho na sua mesa de trabalho com os seguintes dizeres: “Cristina, não tenho nem coragem de dizer isso pessoalmente, pois acho uma grande injustiça o que estão fazendo com você, mas está despedida. Aquele do andar lá de cima disse que não pode mantê-la no jornal porque entidades governamentais que cuidam do amparo à criança e adolescente não gostaram nem um pouco do que você escreveu. Pediram sua cabeça, e pra não perder a dele, o homem tem que lhe despedir. Você já conhece os procedimentos daqui por diante. Por favor, passe sem olhar pra mim. Diretor de redação”.
Seus escrotos, vagabundos, filhos de uma mãe. Dou reconhecimento a esse jornal e esses filhos da puta me dão o troco desse jeito. Brevemente vou ter de escrever uma reportagem mediúnica sobre o meu suicídio jornalístico, e tudo por causa dessa corja que vive com rabo preso com qualquer chefezinho. Disse consigo mesma, indignada.
Mas já era o quinto emprego que perdia assim. Lutava, trabalhava incessantemente para produzir reportagens importantes e que causavam grande impacto, rendendo bons frutos ao jornal, e depois o reconhecimento chegava sempre com um “desculpa, mas você está despedida”.
Verdade é que agora estava desempregada, porém com a maior vontade do mundo de dar um tempo naqueles idas e vindas das redações. Ia dar uma parada, talvez viajar por aí sem destino e conhecer outras realidades, outras pessoas, outros costumes, outra vida. Se desse, escreveria um livro.
E foi essa ideia de se aventurar pelo mundo que a aproximou dos desconhecidos.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: