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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 23 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 23

Rangel Alves da Costa*


Maria seguiu imediatamente em busca das plantas medicinais para fazer o remédio curativo para o pai.
Sabia que no entorno da moradia da umburana cabocla aquelas plantas que curavam tudo eram abundantes.
Colheria folhas, raízes e raspas e depois batia tudo enrolado num pano até formar uma papa esverdeada. Não tinha remédio igual para machucados, feridas, lanhões e até picadas de animais.
Traria outra porção das mesmas plantas para fazer um chá bem forte e dar ao homem em jejum. Sua mãe dizia que esse era um remédio antigo já ensinado pela avó de sua bisavó.
Assim que adentrou na cortina da mataria foi logo saudada pelo passarinho fofoqueiro. Se eu fosse você deixava aquela peste morrer, mas você é boa demais. Disse inicialmente o passarinho.
Se eu fosse você dava era um chá de plantas venenosas. Era tiro e queda. Se você quiser eu ensino onde tem. Mas deixe pra lá que você não faria isso não, pois você é boa demais.
Se eu fosse você... Se eu fosse você nada, gritou a umburana cabocla, para susto do passarinho. E mandou que ele voasse dali imediatamente porque precisava ter uma conversava com Maria e sem nenhum fofoqueiro por perto.
Maria ficou encantada ao reencontrar a amiga cabocla. Correu imediatamente em sua direção e deu-lhe um abraço apertado. Sentiu como se o seu corpo estivesse também sendo abraçado. E estava.
Sabia que viria por aqui. Foi o que disse a cabocla. E sei também porque está aqui. Nada seria diferente, minha filha. Oh! Como a vida escreve certo por linhas tortas!
Então Maria quis contar o que tinha ocorrido com ela e sua mãe e em seguida com o seu pai, porém a cabocla disse-lhe que não precisava reviver sofrimentos, pois sabia de tudo que havia acontecido.
Mas como você sabe de tudo se não estava lá? Perguntou Maria.
É difícil explicar por enquanto, mas digo que simplesmente tenho amigos na natureza e nos ares que me contam tudo o que ocorre por aí. Mas com relação aos fatos ocorridos, digo que sei por que o meu olho estava lá presenciando tudo.
Então você viu...
Eu vi tudo minha amiguinha. E quando você saiu com sua mãe para buscar aquelas plantas perigosas eu tive que aparecer diante de seu pai para mostrar-lhe algumas verdades.
Fiz que ele visse e sentisse o que é ter uma filha linda como você e o que poderá lhe acontecer se o mesmo continuar fazendo essas maluquices.
Eu não queria não, pois sabia que ele não teria coragem de ferir vocês duas daquela maneira. Mas outras forças da natureza apareceram e quiseram a tudo custo tirar as forças dele e fazer com que se autoflagelasse.
Quando ele segurou a urtiga e a cansanção e começou a se ferir estava possuído por dois sentimentos distintos: ódio de si mesmo e busca do perdão pelos erros cometidos.
Ele jamais confessará isso a ninguém, mas através da violência praticada contra si mesmo estava tentando expulsar do seu espírito o outro ele que não deixava que fosse feliz com ele mesmo.
Talvez você não esteja entendendo. Mas até aquele instante o seu pai era um ser possuído por duas pessoas dentro dele próprio. Uma pessoa quase bicho, que fazia de tudo para afastar sua bela filha dos olhos do mundo, e uma pessoa comum, que sabia que iria sofrer, mas não poderia deixar de abrir a porta da vida para sua filha.
E agora ele mudou? Perguntou Maria com os olhos brilhando.
Não. Ele não mudou e não mudará, mas você poderá acabar com o outro lado ruim dele. Só você pode fazer isso...
Como assim?
Comece fazendo o mesmo que você decidiu com relação à urtiga e à cansanção. Não fuja dele, prove que gosta dele, cuide dele, converse com ele, faça com que ele sinta somente amor por você. Quando o amor for tomando conta dele, o lado odiento se destruirá por si mesmo.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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