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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O LADO QUE A CORDA QUEBRA (Crônica)

O LADO QUE A CORDA QUEBRA

Rangel Alves da Costa*


É verdade, a corda arrebenta sempre do lado mais fraco. Não tem jeito, pois as forças parecem iguais, mas um lado vai sendo consumido pela força do outro lado e de repente a vida arrebenta.
Se o amor fragiliza a pessoa, aquela que menos ama se acha no direito de brincar com o sentimento do outro, e então domina perversamente quem acredita estar sendo amado e daí o destino como testemunha de tantas dores e sofrimentos.
É um perigo não ter coração duro, não procurar fingir que é verdadeiro rochedo, não tentar ultrapassar todos os limites para mostrar força e destemor em demasia, pois basta que quem esteja próximo sinta ou perceba que você é sensível, frágil e possui verdadeiros sentimentos, para tentar destruir de vez suas defesas.
Quem ajuda muito, ajuda com o que pode, mas não ajuda sempre, corre o risco de pagar por omissão, por abandono ou descaso. É que aquele que tanto precisava e recebeu apoio em determinada hora, esquece de tudo de bom que lhe fizeram assim que outro chegue prometendo os céus e a terra, ainda que não cumpra com um só grão daquilo que disse.
Você está dando a mão, mas é pouco, pois querem o braço. Você estende o braço, mas é pouco, pois querem o seu tronco. Você se esforça, se esmera, se sacrifica e estende o seu tronco para o outro, mas é pouco, pois querem o seu corpo. Já que teve a ideia de ajudar e quer levar sua empreitada até o final, você coloca o seu corpo em perigo para salvar o outro, mas é pouco, pois querem puxá-lo para que vá para o mesmo lugar daquele que estava em perigo, para que seja entregue ao sacrifício. E o pior que o outro, que já está alegremente salvo, nem uma mão estenderá em sua direção.
Tantas cartas que você escreveu, passando a noite em claro para inventar palavras menos doloridas que a sua dor, agora que ele está com outra suas verdades, seu coração e sua alma, estão servindo de zombaria. Para mostrar o quanto era querido e festejado pelo coração de outra, e assim egoisticamente procurar justificar sua posição de homem necessário, ele vai sorrir com a outra todas as vezes que surgir um “te amo”, “te espero sempre”, “te desejo”.
Você estava com sede, pediu água e quem estava com o pote cheio lhe negou um copo d’água. Como o mundo dá muitas voltas, amanhã essa mesma pessoa baterá em sua porta e terá a mesma sede que você teve ontem. Só que você tem por princípio servir ao próximo de bom coração e com tal convicção jamais negaria matar a sede de alguém tendo água a seu alcance. E prazerosamente vai lá dentro e traz a moringa com água e ainda um pedaço de bolo. Só que você não sabe que mais adiante você foi apedrejada verbalmente porque não serviu água gelada e o bolo era de ovos, e não de leite como a pessoa gosta.
Ora, mas você sempre foi amiga daquela velha senhora que mora no outro lado da rua. Conhecendo-a desde muito tempo, sabendo de sua história de solidão e tristezas, todos os dias, ao final da tarde ou anoitecer vai até lá prosear com ela, torná-la um pouco mais alegre, saber se está precisando de alguma coisa e até ajudando na limpeza e arrumação da casa. E nos últimos tempos ela tem se mostrado cada vez mais adoecida e triste, e o pior é que não pode contar com ninguém da família na companhia. Não há família, e se há relegou-a ao abandono. E nesse período de férias você vive praticamente na casa dela, fazendo tudo para que recupere a saúde. Contudo, todo mundo já sabe e comenta à boca miúda que você só está fazendo isso pensando na herança dela.
Pois a chuva chegou de repente e quem estava ao seu lado havia esquecido o guarda-chuva. Educadamente a chamou para perto de si e assim procurar protegê-la também. Só que ela pediu para segurar o guarda-chuva e esqueceu que você não tem que se molhar porque o cabelo dela foi tingido ontem. E ainda por cima achou ruim porque você disse que estava se molhando.
Assim, não tenho dúvida de que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. E o lado forte que puxa torna-se tão resistente quanto o rochedo diante da fragilidade da água. Mas no fim da história todo mundo sabe que a pedra vai sendo consumida e a água continua passando cada vez mais forte.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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