NEM AMOR NEM PAIXÃO, TUDO ILUSÃO!
Rangel Alves da Costa*
Ninguém pode esquecer que a caminhada nasce com o primeiro passo, a ação nasce da ideia, a linha infinita surge do primeiro ponto, a morte começa na vida e a vida começa no sentimento. Verdade ainda que o dia começa com a noite, o sol surge após a lua.
Porém, coisas existem que caminham pela mesma estrada, fazem o percurso mais ou menos longo, mas que não nasceram ou surgiram em lugar algum, ninguém sabe dizer ao certo seu ponto de partida. A empatia, a antipatia, a ignorância e a brutalidade são dessas coisas que não surgem, pois já preexistentes em cada um. O amor e a paixão são outras duas.
Ninguém sabe ao certo onde nasce o amor porque não há um instante de real constatação que ele enfim surgiu. A percepção de que está amando a partir de um dado momento é fruto de acontecimentos passados, de outros instantes em que começou a semeadura, o brotamento e o seu florescimento.
Ainda assim não se pode afirmar que o amor é fruto da semente daquele primeiro olhar ou daquele primeiro encontro, pois para os que acreditam em destino isso remontaria a um mundo muito anterior e desconhecido. O amor já seria preexistente às pessoas, e o encontro na vida terrena seria apenas consequencia da predestinação.
Com a paixão ocorre quase a mesma coisa, os mesmos passos e as mesmas incompreensões sobre o seu nascimento e alcance. Contudo, há de se observar que uma análise mais aprofundada do que seja a paixão levará à constatação de que ela nem existe conceitualmente. Quer dizer, a paixão é uma doentia ilusão!
Ora, mas poderia se dizer que a paixão é o amor levado às últimas consequencias, é a entrega amorosa de forma arrebatadora e impensada, é a irrazoabilidade do corpo e da mente em função de um desejo cego de posse e de manutenção do outro ser.
Tudo isso é verdade, só que tão dispersamente inteligível em cada ser, tão emanharadamente arraigado em cada um, que seria mais prático afirmar que a paixão é uma ilusão amorosa que se instala no apaixonado. Mas por que tal afirmação? Ora, basta perguntar ao que diz que está apaixonado se ele sabe definir com exatidão tal sentimento.
Por mais que se pretenda buscar nas veias do relacionamento as motivações para o nascimento da paixão nada será possível encontrar. E não há que se localizar nada porque a paixão não é estado sentimental que se forma a partir de determinada situação, determinado passo, determinado instante. A paixão simplesmente acontece, surge do nada, mas já estando arraigada na pessoa há muito tempo.
Por ser uma expressão sentimental surgida em um só dos lados da relação amorosa, também é verdade que a paixão não passa a existir necessariamente em função da outra pessoa. A que se diz apaixonada apenas desperta o sentimento em determinada momento e diante de certa pessoa, o que significa que a predisposição para tal expressão já estava enraizada e que poderia ser aflorada a qualquer instante e diante de qualquer um.
Para se ter uma ideia sobre essa sombra indefinível que envolve a paixão, basta que se lance, por exemplo, um olhar sobre a loucura. A medicina não diagnostica tal doença em função da sua aparição num dado momento, mas de todo um histórico de predisposição existente na pessoa, incluindo a genética e outros fatores. E se a paixão outra coisa não é senão um distúrbio comportamental amoroso, tendente a práticas próprias dos enlouquecidos, logo se verá que a pessoa está agindo perante um estágio de uma doença que já está enraizada, talvez, desde os tempos de Adão e Eva.
Verdade é que tudo o que foi exposto pode ser contradito. Contudo somente o será se alguém conseguir provar que o amor é insubstituível e a paixão não pode acontecer mais de uma vez. Se o amor pode surgir mais fortemente junto a outra pessoa e a paixão voltar ainda mais fortemente, então se confirma que tudo apenas existe, porque há predisposição em cada um, e nada é tão verdadeiro como se diz ao ouvido do outro.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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