ESTUDO PARA CORDEL: AS SETE FILHAS DO CAPITÃO
Rangel Alves da Costa*
Não gosto de definição, mas preste bem atenção o que diz o do anel sobre o nosso cordel: Literatura popular, escrita pelo poeta artesão, pretendendo igualar à nossa versificação. Mas disso nem se aproxima, pois é verso de alicerce e o nosso está acima.
Você mente seu doutor, e peço um pequeno favor para dizer na palavra o que é cordel e sua lavra. Rima pobre ou rima rica não passa de coisa esquisita se o verso é quem dita da feiúra a mais bonita, não escolhe a pureza se a coisa é de dureza ou não mente pra rimar se o grito é pra gritar.
Junte um pedaço de terra, traga o sol, traga a serra, se molhe na aridez, pegue o salário do mês, tire o homem do xadrez, bote no bar pra beber, faça ele esquecer da dureza de um dia, faça lhe chegar alegria e espere ele falar sem dor nem agonia. Tudo que ele disser, contando uma história da hora, não deixe a palavra ir embora, escreva tudo num papel, depois diga ao doutor acadêmico que ali é um cordel.
E a arte logo ensina que depois leve pra oficina, imprima em papel de jornal, arrume cada livreto e faça a capa ao final, através da xilogravura, que é a arte mais pura, do cordel traçado e arquitetura. E sua arte está pronta, literatura de monta, da boa e da melhor, para espalhar no barbante, feito puro diamante, e sem luxuosa edição ser a voz do sertão com graça e perfeição.
Tem cordelista que só vende e outro até surpreende com o teatro que faz, lendo os seus versos na feira e o povo querendo mais. Como ocorreu com um artista, de nome a perder de vista, que escreveu e depois leu s história das sete filhas do capitão, um cordel tão arretado que ninguém esqueceu não, tão comovente o relato e de cortar coração.
Pedi licença ao autor e ele autorizou que aqui reproduzisse em parte o que ele disse, só que em prosa o cordel, mesmo sabendo que nada se compara aquele mel com essa escrita de fel.
Assim, num tempo muito ruim, num tempo em que no sertão reinava mais judiação, com rico mandando em pobre, na maior submissão, aconteceu uma história que serve como lição.
Capitão Mandão, homem mais que violento e de muito chão, enriquecido às custas da malcriação, vitimando o pobre em nome do seu patrão, que era sempre um Coronel, sem patente nem nada, mas dono de terra e céu.
Dizem que o tal Capitão, viúvo e na tentação, cuidava de sete filhas com baioneta e facão, não deixando sequer ver de sol o clarão, sem sair na janela para nenhuma visão, tudo trancada num mundo de medo e perseguição, numa vida de angústia e escravidão.
Toda manhã bem cedinho, ainda um pouco escurinho, antes de sair pra matar, ele chamava as filhas e fazia se ajoelhar, dando a benção e prometendo jamais o pai desprezar, pois do contrário ele mesmo uma a uma ia açoitar.
Juravam tudo na vida, tudo que apertava o coração, que não abririam a janela, que não sairiam no portão, que nem olhavam pra rua se passasse procissão, que não sairiam da casa nem que ela fosse pro chão. E cumpriam o juramento, pois um certo olho atento vigiava qualquer movimento, pra contar ao Capitão e garantir um sustento.
As sete filhas do Capitão eram as mais bonitas já nascidas no sertão. Lurdinha a de corpo perfeito, Maria a de tudo direito, Vera a de olhar carinhoso, Expedita a do falar mais que formoso, Timótea parecendo uma flor, Carolina um poema de amor e Lúcia a que o poeta inspirou.
O amor não conheciam, da vida nem percebiam que toda felicidade precisa amar de verdade, mas para as filhas do Capitão isso era ilusão, não tinham direito a viver e muito menos a paixão. Mas certa vez a do meio cismou de perder o receio e perguntou ao pai se um dia podiam ir aonde ele sempre vai, pois não suportavam mais a vida que se esvai.
O homem juntou as sete e amarrou numa só, com um nó tão apertado que chega causava dó, depois chicoteou tanto que a taca virou pó. E depois disse que amanhã, logo que raiasse a manhã, chicoteava de novo quem estivesse sã. E foi a última vez que falou com as filhas nesse afã.
No meio da madrugada, toda moçada calada decidiu a empreitada que levariam a efeito, pegando o pai de jeito, e mesmo com todo respeito, mostrando o torto e o direito. E assim foi feito. Pois o homem dormia, sorrindo alegria, com as armas de lado, sempre preparado para qualquer inesperado.
Acordou todo animado, pois uma moça ao seu lado lhe fazia cafuné, e depois todo assustado viu na filha a mulher. Se ajeitou, ficou em pé, mas logo voltou de ré, pois um monte de mulher avançou e lhe amarrou. E quando acuado ficou uma filha lhe mostrou uma lista inesperada, que ele mantinha guardada e não podia ser encontrada.
Quando o homem viu a lista quis encontrar qualquer pista e pediu logo perdão, pelo que tinha feito às filhas que amava de coração, pois daquele dia em diante não fazia aquilo não. E estendeu a mão implorando o papel, jurando por todo céu, que aquilo era passado, apagado como um véu.
E as filhas sorridentes, disseram todas contentes que perdoavam o pai, mas a dor sentida no peito é ferida que não sai e que aquele documento era principal o instrumento para que sua vida se tornasse num lamento, pois aquelas pessoas mortas pelas suas mãos teriam na justiça a sua reparação e que dali em diante sua vida era a prisão.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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