ESTUDO PARA CORDEL: A VIRGEM PROSTITUTA
Rangel Alves da Costa*
Já arrumei um lugar no mercado, lá onde se vende fiado, já sei onde vou erguer minha tenda, vou colocar uma mesinha feita sob encomenda, e depois vou rodear com cordão de pendurar ilusão.
É desse cordão que vai pender o meu verso, minha arte matuta e diferente, onde vai ficar pendurado Lampião, a cangaceirada do sertão, o bicho sem cabeça e a serpente, a mulher que trai e a acusada inocente, a beata descrente e qualquer coisa que me venha à mente.
Esse cordão que se estende é a corda de sustentar cordel, e é lá que vou estender história de terra e céu. É lá que mais cedo ou mais tarde vai ficar a história da virgem prostituta ou da mulher que fazia vida sem perder a virgindade.
Estou imaginando como essa trama vai ser, pois sei que muita beata não vai gostar do que vou dizer, mas garanto que é tudo como um brincar, até porque a verdade todo mundo vê e não quer acreditar.
Para isso fiz um estudo, e o tal enredo começa mais ou menos com isso tudo:
Era um verdadeiro jardim. Era moça e era flor, parecia um jasmim. Dizem que parecia rosa pelo seu encanto e prosa. Outros chamavam de açucena, porque era flor pequena, parecendo a beleza que acena e deixa o coração que dá pena.
A mocinha era séria, era exemplo de virtude, vivia na miséria, mas tinha boa atitude. Não tinha luxo algum, calçado era qualquer um, brinco dourado nenhum. Vestia roupa de chita, que a vizinha achava esquisita, mas nela ficava bonita. Era solteira e só, dizia que pra cabra safado preferia virar pó.
Com tanto encantamento, recebia mil propostas, e um não era o que mandava de volta como respostas. João dava uma fazenda, Pedro fez no céu encomenda, Tonho ofereceu um anel de brilhante, Zezão até roubou um diamante, Totico prometia roupa de festa, Balú desandou a fazer seresta. E a moça nem dava linha, preferindo ficar sozinha.
Mas as moças do lugar, com uma inveja de matar, se meteram a planejar com a mocinha acabar. Então traçaram um plano, que a partir daquele ano, a mocinha estava acabada, totalmente desmoralizada, pra não se achar mais engraçada. E arrumaram fofocas e foram metendo nas tocas, sujando em todo lugar, a mocinha que era virgem, agora vivia a putiar.
Na rua de cima, no beco de baixo, na estrada e no riacho, a conversa era uma só, dizendo que a mocinha agora dava de dá dó. Trepava de graça, trepava com quem quisesse, e se recebia dinheiro fazia verdadeira quermesse, se entregando a qualquer um e sem faltar buraco algum. E assim o nome correu como corre vento mau, mas a mocinha não sabia que era ela o carnaval.
Quando as beatas souberam, se ajoelharam pelo chão, o padre foi se benzer e foi proferir um sermão, para salvar aquela alma de toda maculação, pois a mocinha já estava com a alma em pura profanação. Verdade é que a cidade ficou toda em polvorosa, pelos quatro cantos não se via outra prosa, falando da mocinha virgem que agora era uma sebosa.
Os rapazes se ajuntaram para aumentar a zombaria, dizendo que ontem mesmo estavam em putaria, que ela fazia de tudo até no clarão do dia, e do jeito que ela ia, logo ninguém mais queria.
Quando os pais dela souberam quiseram matar a coitada, dizendo que na sua casa não morava uma safada, e que ela juntasse o que tinha e fosse viver sozinha, se não quiser fazer vida lá onde vive putinha. A moça se defendeu e fez a família chorar, mostrou por “a” mais “b” que não era de safadar.
Subiu no coreto da praça e logo fez ameaça, mandou que chegasse ali quem lhe começou a denegrir, pois ia mostrar a verdade e quem era a puta dali. Teve moça se escondendo, teve santinha correndo, e ninguém apareceu se tava de medo tremendo, bastava ela abrir a boca e tudo ficar fedendo.
Desse momento pra frente tudo ficou diferente, pediram perdão à mocinha e ela continuou sozinha, dizendo que virgem morreria, mas homem dali não queria. E assim acaba a história dessa moça de valor, que preferiu a solidão a viver de mão em mão.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário