SERMÃO DA LUA CHEIA
Rangel Alves da Costa*
Frei Bentinho sempre defendeu que o Sermão da Lua Cheia era muito mais bonito do que o Sermão da Montanha. Foi expulso da Ordem Enclausurada por causa disso. Contudo, muitos afirmam que o velho religioso foi forçado a se retirar de lá porque queria confirmar a todo custo a existência de um sermão profano que jamais existiu.
Somente uma pessoa sabia da verdade sobre a existência do Sermão da Lua cheia e esta, infelizmente, havia morrido precisamente após uma das muitas leituras desse sermão, que também confirmava ser o discurso contido no velho pergaminho a coisa mais bonita que alguém já havia produzido para proclamar em palavras as verdades do seu imenso amor.
Frei Ambrose sabia que o tal Sermão da Lua Cheia havia sido escrito pelo próprio Frei Bentinho, naqueles instantes de recluso e sombrio enclausuramento, quando o seu pensamento voltava-se para as recordações da mulher amada que jamais foi totalmente substituída pela adoração divina.
O pobre do homem se dedicara à vida religiosa precisamente para aplacar o incontido fogo da paixão que lhe tomava o coração por inteiro, e também o resto. Enira fugiu com um primo faltando apenas dois dias para o casamento. Daí em diante o homem começou a desgostar da existência e por diversas vezes tentou dar cabo à própria vida se jogando pela janela. Só que morava no térreo.
Um dia, depois que desperdiçou um novelo de lá novinho tentando se enforcar, seguiu no meio da noite de lua cheia para a montanha mais alta do lugar, onde havia um precipício assustador, e no instante em que já se preparava para se atirar lhe venho a mente o tal sermão, que pelo instante em que foi concebido, recebeu precisamente o nome de Sermão da Lua Cheia.
Fixado no pensamento feito placa impressa, depois foi escrito num velho pergaminho pelo Frei Bentinho já durante sua vida religiosa. E lá está escrito com letras artesanalmente desenhadas, um tanto disformes, pela mão trêmula e olhos lacrimejantemente apaixonados do escrevinhador:
“Em meio à noite escura dos desamados, apaixonados e abandonados e, tendo se assentado comigo que a vida é de nenhuma valia sem o amor amado, eis que me vem esta lua cheia a encher-me de esperança e dizer que ainda nesta noite não, pois ao clarear do dia um novo coração irá nascer muito mais forte e acolhedor para a grande paixão que certamente virá, pois:
Recompensados serão os abandonados pelo amor vil e vulgar, porque encontrarão o verdadeiro significado do amor em bondoso e afetuoso coração.
Bem-aventurados os que choram porque foram desprezados pela incerta paixão, porque eles serão consolados no dia em que souberem que a paixão consome e não mata a fome.
Recompensados serão os que choraram dolorosos prantos diante das traições amorosas e das desventuras causadas nos desvalidos corações por amar demais a pessoa errada, porque eles herdarão o sorriso e a satisfação de se saberem amados sem que tenham que para isso se submeterem aos caprichos das paixões.
Bem-aventurados os que em nome do amor plantaram versos, semearam palavras bonitas, distribuíram perante o outro amor os grãos da consideração e do respeito, fizeram brotar diante dos olhos de todos a verdade dos seus corações, porque os que abandonam passarão e estes seguirão colhendo bons frutos quando menos esperem.
Recompensados os que passam as noites na solidão e com temor da solidão no dia seguinte, porque eles seguirão solitários até o instante em que valer a pena encontrar alguém que não lhes impinja a solidão acompanhada mais adiante e para sempre.
Bem-aventurados os que têm a lua cheia por testemunha, os que têm a completude da claridade do luar, pois serão iluminados não só nessa noite, mas também em todas as noites em que os eclipses totais do amor chegarem para afligir os corações.
Recompensados serão os que são eu, como eu e eu sozinho, porque...”.
E assim por diante, nesse longo e doloroso discurso apaixonado. Fato estranho que podia ser observado nesse Sermão é que ao final o Frei Bentinho foi mais que sintético: “Só sei que amar através das palavras é bem menos dolorido do que estar diante de quem lhe finge amar”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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