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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESTUDO PARA CORDEL: O CORDEL NA CANTORIA (Crônica)

ESTUDO PARA CORDEL: O CORDEL NA CANTORIA

Rangel Alves da Costa*


Cordel não é bicho bruto, menos coisa de matuto, é cria de matuto sim, mas com asas de querubim e da natureza poética é o verdadeiro jardim. Talhado no pé de moita, embaixo do sol que afoita, cada palavra surgida é como uma vida nascida que vai crescer muito mais, pois a frase correndo atrás da outra que é sua rima, mais tarde se imagina que foi feita por doutor e não pelo cordelista com todo o seu louvor.
Quando o cordel ganha vida e no livreto a arte é absorvida, muito caminho percorre quando é adquirida. Se ele é de boa cria, nem se preocupe o autor que ele mesmo se recria, transformando em canto a poesia e chega ao povo como cantoria. E tanta canção que alegra a alma e o coração veio do cordel a inspiração, com cada verso escrito um dia pela mão do artesão.
Não é do repente que falo agora, pois essa arte não se demora, às vezes é cantada e vai embora, bem diferente do cordel escrito, que quando mais dura mais é bonito e ganha o mundo como num grito. Grito dado pelo violeiro, que da canção é o arteiro, e pega os versos de um cordel e torna música de menestrel.
Muito artista de renome fez nome e prenome musicando o cordel, colocando uma canção em todo aquele escarcéu e na música brasileira garantindo o seu troféu. Zé Ramalho, Amelinha, Elomar, Fagner, Luiz Gonzaga, Téo Azevedo, Ednardo, Cordel do Fogo Encantado, Elba Ramalho e muitos outros foram buscar no cordel roda pro seu carrossel.
Otacílio Batista escreveu, Zé Ramalho musicou e Amelinha gravou esses versos de amor: “Numa luta de gregos e troianos/ Por Helena, a mulher de Menelau/ Conta a história que um cavalo de pau/ Terminava uma guerra de dez anos/ Menelau, o maior dos espartanos/ Venceu Paris, o grande sedutor/ Humilhando a família de Heitor/ Em defesa da honra caprichosa/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor (...)/ Virgulino Ferreira, o Lampião/ Bandoleiro das selvas nordestinas/ Sem temer a perigos nem ruínas/ Foi o rei do cangaço no Sertão/ Mas um dia sentiu no coração/ O feitiço atrativo do amor/ A mulata da terra do condor/ Dominava uma fera perigosa/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor”.
Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova, cordelistas a toda prova criaram e Elba Ramalho cantou: “Já que existe no sul esse conceito/ Que o nordeste é ruim, seco e ingrato/ Já que existe a separação de fato/ É preciso torná-la de direito/ Quando um dia qualquer isso for feito/ Todos dois vão lucrar imensamente/ Começando uma vida diferente/ De que a gente até hoje tem vivido/ Imagine o Brasil ser dividido/ E o nordeste ficar independente (...)/ Eu não quero, com isso, que vocês/ Imaginem que eu tento ser grosseiro/ Pois se lembrem que o povo brasileiro/ É amigo do povo português/ Se um dia a separação se fez/ Todos os dois se respeitam no presente/ Se isso aí já deu certo antigamente/ Nesse exemplo concreto e conhecido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o nordeste ficar independente”.
Patativa do Assaré, com versos de amor e fé fez brotar e Luiz Gonzaga cantar esse hino a se encantar: “Setembro passou, com oitubro e novembro/ Já tamo em dezembro/ Meu Deus, que é de nós?/ Assim fala o pobre do seco Nordeste/ Com medo da peste/ Da fome feroz/ A treze do mês ele fez a experiença/ Perdeu sua crença/ Nas pedra de sá/ Mas nouta experiença com gosto se agarra/ Pensando na barra/ Do alegre Nata/ Rompeu-se o Natá, porém barra não veio/ O só, bem vermeio/ Nasceu munto além/ Na copa da mata, buzina a cigarra/ Ninguém vê a barra/ Pois barra não tem/ Sem chuva na terra descamba janeiro/ Depois, fevereiro/ E o mermo verão/ Entonce o roceiro, pensando consigo/ Diz: isso é castigo!/ Não chove mais não! (...) Se arguma notícia das banda do Norte/ Tem ele por sorte/ O gosto de ouvi/ Lhe bate no peito sodade de móio/ E as água dos óio/ Começa a caí/ Do mundo afastado, sofrendo desprezo/ Ali veve preso/ Devendo ao patrão/ O tempo rolando, vai dia vem dia/ E aquela famia/ Não vorta mais não!/ Distante da terra tão seca mas boa/ Exposto à garoa/ À lama e ao pau/ Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo/ Vivê como escravo/ Nas terra do sul”.
Zé da Luz, poeta paraibano, de lado não foi deixado e lembrado pelo Cordel do Fogo Encantado: “Se um dia nois se gostasse/ Se um dia nois se queresse/ Se nois dois se empareasse/ Se juntim nois dois vivesse/ Se juntim nois dois morasse/ Se juntim nois dois drumisse/ Se juntim nois dois morresse/ Se pro céu nois assubisse/ Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse/ a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice/ E se eu me arriminasse/ E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse/ E a minha faca puxasse/ E o bucho do céu furasse/ Tarvês que nois dois ficasse/ Tarvês que nois dois caísse/ E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse”.
João Melquíades Ferreira da Silva, cordelista do “Romance do Pavão Misteriozo”, é homenageado por Ednardo na composição de outro pavão, também misterioso. Escreveu o cordelista: “(...)Tinha cauda como leque/ As asas como pavão/ Pescoço, cabeça e bico/ Lavanca, chave e botão/ Voava igualmente ao vento/ Para qualquer direção”. Já o cantor popular foi cantar: “(...) Pavão misterioso/ Nessa cauda/ Aberta em leque/ Me guarda moleque/ De eterno brincar...”.
Fagner, lá do Ceará, Patativa foi lembrar com “Vaca Estrela e Boi Fubá”. Também a música caipira buscou em versos de cordel o seu cinzel e hoje está espalhada feito tela e pincel. Assim está presente em “Saudade de Minha Terra”, “Rei do Gado”, “Travessia do Araguaia” e “O Menino da Porteira”. Nenhuma coincidência, mas puro cordel, violando com decência.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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