ESTUDO PARA CORDEL: A BEATA QUE NÃO FOI PRO CÉU
Rangel Alves da Costa*
Meu cordel está esticado, meu livreto está à venda, tem gente que compra um e outro por encomenda, espero que Deus ajude que minha sorte não mude.
Sou poeta cordelista, limitado por demais, sei que não chego nem aos pés de uma turma contumaz em rimar rima bonita, tratando de coisa bela e de muita gente aflita, falando do silêncio do povo e daquilo que ele grita.
Quem dera eu ser um dedinho de um montão de gente boa, que pega qualquer motivo e um cordel logo entoa, fazendo a gente beber tudo como se fosse pinga boa. Cego Aderaldo quem dera, Otacílio Batista quem dera, Franklin Maxado quem dera, Louro do Pajeú quem dera, Patativa quem dera, Romano da Mãe Dágua quem dera, Téo Azevedo quem dera, Zé Limeira quem dera. E quem dera eu ser poeta meu Deus.
Mas sou assim mesmo, com fé em Deus, juntando esses dizeres que são os meus, para falar de beata, que é muito melhor que ateus.
Assim, na cidade existia uma beata que parecia não ter casa, vivendo na sacristia, não saindo do lugar, dia e noite, noite e dia, dizendo até as más línguas que lá mesmo ela dormia, ou para lá ia à noitinha, que o marido nem percebia.
Desculpe-me outra beata, pelo que tenho de falar, mais igual à devotada não existia noutro lugar, tirou a vida pra rezar e rezava sem parar, mas se falavam dos outros, ela se danava a escutar. E fingindo que orava, quem chegasse ela olhava e logo mau gosto botava, dizia ser muito amiga, mas tudo mundo odiava.
O padre cabra matreiro, deixava ela aprontar, pois num minuto sabia toda a vida do lugar. Eita mulher fofoqueira, que não tinha o que fazer, bastava o vento soprar e lá ia ela dizer que Maria se largou, que Zefinha emprenhou, que a vizinha do lado o marido da outra tomou. E quando não sabia inventava, em tudo imaginava, quem tá sujo e não se lava, quem fingia que chorava, o dia de todo mundo era ela que acordava.
Mas a beata era esperta, vivendo sempre alerta, com cuidado e muito zelo pra não desfiar o novelo. Vestia roupa cumprida, toda séria e metida, com um lenço na cabeça e a cara mais sortida, quem visse o jeito dela dizia ser uma sofrida. Andava devagarzinho, mas sempre apertava o passo quando estava no escurinho, que era pra chegar logo e rezar no seu cantinho, ao lado do sacerdote, os dois no maior murmurinho.
Quando estava na igreja parecia o próprio lar, limpando e arrumando, nada fora do lugar, dizendo que era promessa pra uma doença curar. Certo dia perguntaram qual doença ela tinha, ela disse que era grave e não tinha remédio nem mezinha, ou o padre ajudava a curar ou ela ia se matar, pois não agüentava mais viver a se lastimar, com um fogo pelo corpo que só faltava incendiar.
Então o povo sabido começou a espalhar que o padre era o doutor e ela a morre já, que vivia acamada pro homem ir consultar, isso lá na sacristia, que era o melhor lugar, para o corno não saber que ela ia se curar.
E a conversa aumentou e logo uma comadre levou ao ouvido do padre, que com medo de morrer foi logo se defender, dizendo que quando mais moço estudou a medicina, mas a especialidade era doença de menina e velha igual aquela nem ali nem lá na China.
A beata quando soube se danou a lamentar, dizendo que a culpa era do padre que veio lhe conquistar e que até se casaram ali mesmo no altar. E o marido da beata foi ao padre perguntar que história era aquela da mulher lhe cornear, então homem lhe disse rapaz deixe de tolice que receber chifre de padre era igual a se salvar.
O marido acreditou e sem pecado voltou, só que a mulher em casa nunca mais ele encontrou, nem o padre na paróquia ninguém jamais avistou.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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