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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 22 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 22

Rangel Alves da Costa*


O homem parecia não acreditar no que estava vendo. Dava como certo que as duas descambariam pelo meio do mundo por dois motivos principais: a liberdade e fuga da surra.
Mas elas haviam retornado e com as plantas mais que perigosas que podiam existir. Mesmo o sertanejo mais valente tinha medo da urtiga e da cansanção. E por que aquelas duas desejavam sentir na pele suas ardências e queimaduras insuportáveis?
As duas se aproximaram do homem e depositaram os dois feixes a seus pés. Em seguida deitaram no chão de costas e começaram a esperar o martírio.
Levem daí agora mesmo! Disse o homem, e repetiu que levantassem e fossem para casa naquele mesmo momento.
Mas estamos esperando você fazer o que prometeu. Pode começar que estamos prontas para a sua brutalidade. Vá, pode começar. Foi o que disse a esposa, de modo firme e corajoso, ainda deitada.
Vão pra casa agora mesmo, já disse. Repetiu e ficou dizendo isso muitas outras vezes, até se certificar que elas já se encaminhavam para o casebre.
Antes de sair, porém Maria ficou uns dois minutos silenciosamente olhando nos olhos do pai, como se quisesse dizer tudo o que sentia num só instante.
Olhou bem fundo naquele olhar, abriu a porta e entrou por um instante. Teve pena do que imaginou te encontrado: um resto de pessoa e seus conflitos internos.
Preferiu silenciar e ir para casa, mas antes de sair ainda teve coragem de dizer que se ele mudasse de ideia estariam esperando, à mercê de qualquer maldade que tencionasse fazer.
As duas entraram em casa e ficaram lá dentro vigiando o que se passava do lado de fora através dos buracos e das frestas.
Não demorou muito e passaram a presenciar uma cena inesperadamente assustadora.
Se existem coisas que ninguém nunca espera acontecer e acaba acontecendo, então Maria e sua mãe passaram a enxergar uma dessas estranhezas.
O homem tirou a camisa, ficou nu da cintura pra cima e em seguida segurou em cada mão um pedaço de planta, numa uma urtiga e na outra uma cansanção, e começou s se autoflagelar.
Batia violentamente nas costas e por todo o corpo.
A seguir repetiu o mesmo ato e a mesma cena, e assim foi fazendo até acabar com os dois feixes ali colocados.
Não gritava, não gemia, não reclamava, nada fazia que demonstrasse dor e sofrimento. Apenas dava para perceber o seu rosto crispado e as costas e os braços, bem como em todos os lugares que as plantas haviam chegado, o sangue escorrendo em fileiras.
Depois disso o homem começou a rolar pelo chão parecendo que havia enlouquecido. Cavava a terra, batia no chão, dava pontapés socos no próprio corpo, chorava. E por fim deu um longo grito e se calou, se quietou estendido.
Jogado adiante da casa, estirado no chão como se estivesse morto, ainda assim mãe e filha esperaram uns cinco minutos para correr até lá para saber o que realmente tinha acontecido e se o homem continuava vivo.
Estava apenas desacordado, foi o que constataram, porém respirando com dificuldades.
Então, as duas juntaram forças e o arrastaram até um local acima da terra, providenciando um primeiro balde de água para jogar sobre o corpo.
Gastaram quase toda a reserva de água que tinham, mas conseguiram limpá-lo todinho e estancar os sangramentos.
Quando ele abriu os olhos e viu as duas ao seu lado, a primeira coisa que fez foi perguntar se era sua filha linda que estava ali.
Nem deixou ela responder e perguntou se ainda tinha aquele remédio milagroso que ela havia passado no joelho e ele havia curado no mesmo instante.
Foi então que ela disse que só poderia encontrar daquelas plantas no meio do mato, mas como ele impedia que ela fosse até lá então não podia fazer nada.
Vá minha filha, vá e procure a planta pra fazer o remédio. Foi o que conseguiu dizer antes de encher os olhos de lágrimas.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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