O PRÓXIMO
Rangel Alves da Costa*
É mais instigante do que imaginamos o problema da conceituação e valorização do próximo. Perpassando por aspectos religiosos, éticos, morais, comportamentais e jurídicos, o alcance e aplicabilidade da noção de próximo e respeito ao próximo é deveras complicado.
Complicado porque o conceito de próximo é abstrato, subjetivo, intangível, a depender de cada situação. Basta confrontar o que está próximo com o que está junto, ao lado ou ligado. Segundo os textos, próximo é aquilo que está perto, que está por chegar, vizinho, o seguinte a ser alcançado; o que está perto no tempo ou no espaço; o que vem logo depois ou que se passou recentemente; que se parece com algo ou alguém; cada um dos seres humanos.
Entretanto, há uma noção de proximidade que muitas vezes pode fazer com que o próximo se interiorize na própria pessoa. Assim de tão íntima que é a proximidade, pode-se afirmar que esse próximo é uma presença de uma ausência, é algo que existe sem que necessariamente tenha vindo para perto. Como exemplo podemos citar a saudade. Na saudade, a presença do outro às vezes é muito maior do que o contato.
De qualquer modo, a questão de ser próximo, de estar próximo ou desse próximo ser o outro é altamente indagadora, como já citado. E indagadora porque a visão religiosa sobre o próximo, tantas vezes disseminada na bíblia, é quase sempre no sentido de situá-lo perante o seu semelhante. Neste sentido, a pessoa quase nenhum valor possui enquanto indivíduo se não serve como espelho de bondade para o outro.
“Não levantarás falso testemunho contra teu próximo” (Ex 20,16); “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem nada do que lhe pertence” (Ex 20, 17); “Não sereis injustos em vossos juízos: não favorecerás o pobre nem terás complacência com o grande; mas segundo a justiça julgarás o teu próximo” (Lv 19, 15); “Não te vingarás; não guardarás rancor contra os filhos de teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18); “Se um homem ferir o seu próximo, assim como fez, assim se lhe fará a ele” (Lv 24,19); “Se alguém pecar contra o seu próximo e, fazendo-o jurar, for tomado juramento diante de vosso altar, neste templo” (I Rs, 8, 31)”.
A questão maior que se levanta é saber se cada indivíduo está tão espiritual e religiosamente capacitado para ter sua vida dividida e até vivida em função do outro. Ora, quando se diz que “ajude ao próximo”, “tenha o próximo como sua semelhança”, “não faça ao próximo o que não quer pra si mesmo”, “ame o teu próximo como a ti mesmo”, logicamente que está deixando o indivíduo sem opção para ser ele mesmo, para pensar o que quiser, para agir como quiser. E isto porque sua vida não deverá ser em função de si mesmo, mas em função do próximo.
Não tenho nada contra preceitos religiosos. Pelo contrário, sou um fiel seguidor dos ensinamentos, até onde eu possa estar fielmente seguindo. Contudo, certamente que no mundo atual não se pode aplicar a visão bíblica de próximo perante todas as pessoas. Do mesmo modo que se alguém apanhar numa face não oferece a outra para a mesma finalidade, não há como dividir o pouco que se consegue manter da personalidade para ajudar a outros que nada fazem para merecer.
E tem aquela outra questão da retribuição que nos é ofertada pelo próximo que ajudamos, apoiamos e acolhemos. Se o agradecimento que vier não for espiritual, de cada um pra si mesmo, da pessoa que ajuda, dificilmente ouvirá do outro um obrigado, pois muitos dos que vivem próximos acostumaram somente a usufruir até secar a fonte.
Depois que surge a sequidão onde corria água límpida, certamente que eles já estarão longe, muito distantes, sem ao menos ter ajudado a buscar outra fonte.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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