ENQUANTO BALANÇAVA O BERÇO
Rangel Alves da Costa*
Hoje ninguém lembra disso não. Muitas pessoas até esquecem que um dia nasceram, que foram crianças, que receberam os cuidados atentos e tantos mimos de mãos generosas, das inesquecíveis mãos de mães. Se derem sorte e chegarem à velhice, talvez sejam acolhidas pelas mãos retributivas dos filhos.
E nem poderia lembrar, pois a época do berço, da chupeta e do brinquedinho tilintando por cima é a da mais pura inocência, quando ainda não se está nem aí para a vida e os seus problemas. Não diz nada, não pede nada, mas se expressa coerentemente através do choro ou do sorriso.
A mãe é que nunca esquece daqueles passos e compassos, sem dormir durante o dia e passando a noite em claro para cuidar do seu filho, numa rotina que nunca parecia cansativa. Assim, após dar um banho, encher de talco e perfume, trocar a fralda e amamentar, ela seguia em direção ao berço e colocava a criancinha lá dentro, ajeitando aqui e ali, de modo a garantir o conforto do seu pequenino.
Então ela senta numa cadeira que fica sempre ao lado, olha-o mais uma vez com renovada ternura e amor e tem vontade de conversar com ele enquanto balança levemente o berço e canta conhecidas cantigas de ninar:
“Boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta. Boi, boi, boi, boi do mandaqui, pega essa criança que não gosta de dormir...”.
“Dorme neném que a cuca vai pegar, mamãe foi na feira e papai foi trabalhar. Dorme neném que a mamãe tem o que fazer, vai lavar e passar as fraldinhas pra você...”.
“Nesta rua, nesta rua, tem um bosque, que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração. Se roubei, se roubei seu coração, tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se roubei, se roubei seu coração, é porque, é porque te quero bem...”.
E o pequenino, de olhos voltados para o brinquedinho que se sacode por cima do berço, vive apenas o seu mundo, mexe as perninhas e parece nem querer saber das suaves palavras que sua mãe começa a falar:
Que bom filhinho, que bom se você crescesse e nunca perdesse essa doce feição de pureza e sua inocência não fosse corrompida pelas circunstâncias da vida nem pela maldade dos homens.
Olhando agora nos seus olhos lembro dos olhinhos dos seus irmãos, dos olhos que um dia eu e seu pai tivemos e me vem a certeza do quanto o tempo faz a gente perder o nosso brilho no olhar. Chega um tempo, meu filhinho, que nossos olhos nem parecem espelhos para a vida, mas sim depósitos de lágrimas que começam a jorrar por motivos que você não queira nem saber.
Esses pezinhos aqui, tão fofinhos e pequeninos, que a gente acaricia e beija, mais tarde terão que caminhar por caminhos que a gente nem imagina meu filho. Por tantas estradas boas haverão de passar, por tantos lugares macios poderão se assentar, mas também por outras veredas sortidas de pedras e espinhos. Então, meu filho, somente Deus para colocar a melhor proteção nos seus pés quando for andar por aí.
Mais tarde você vai estar com fome chorar e sua mãe está aqui para ouvir o seu choro e correr para alimentar. Quando crescer tudo começa a mudar. Muita gente não tem nem quem venha em seu socorro, pois não haverá mais mãe e poderá até faltar comida. Por isso é preciso ter sorte para que os motivos do choro da criança fiquem apenas nos motivos da idade da criança. E do mesmo modo ocorre com o sorriso.
Agora durma meu filho. Sua mãe agora vai fazer comida para os seus outros irmãozinhos, lavar suas roupas, coser umas calças do seu pai e depois passar ferro. Um dia ela descansa um pouquinho...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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