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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 16 de janeiro de 2011

ESTUDO PARA CORDEL: PARAÍSO E INFERNO NO SERTÃO (Crônica)

ESTUDO PARA CORDEL: PARAÍSO E INFERNO NO SERTÃO

Rangel Alves da Costa*


O sertão já foi retratado na arte por todo lado, serviu à literatura, à música e à pintura, mostrando a grandiosidade de toda sua cultura. Luiz Gonzaga do baião na sanfona foi sertão; Jackson foi o primeiro a elevar o pandeiro; Trio Nordestino deu ao forró outro destino; Cego Aderaldo no repente e no seu rastro um monte de gente, tudo com a poesia matuta mostrando do homem a luta.
Era Mestre o Vitalino na vida de barro do nordestino; a mão matuta pintando o menino; Graciliano mostrou a desesperança e o desatino; nas bênçãos de Dom Hélder e o seu dom divino; na poesia de Gregório o libertino; e o grande Jorge, de tão amado, mais que um hino; com Paulo Freire e a sua luta pelo ensino; em João Cabral e a vida e morte de um povo tão severino. É tanta coisa que não termino sem o canto das lavadeiras no sol a pino.
Ele não nasceu nordestino, mas no sertão viu figurino para sua obra genial, e como repórter sulista fez descrição sem igual, da guerra do fim do mundo, da luta entre o bem e o mal. Falo de Euclides da Cunha, da aflição a testemunha, afirmando que o sertanejo é um forte, pois com as armas que tem, nada mais que fé e sorte, enfrenta inimigo até a morte.
E na luta desse povo, um dia alegria e no outro agonia, se fez a história e a sua memória. Hoje parece nada, mas foi muito sangue pela estrada, em rebelião, revolta armada, motim e levante e emboscada. Hoje é lembrança quase apagada, mas teve a Balaiada, a conjuração da baianada, a revolta da mascatada, a revolução da praieirada, a revolta da abelhada, o pé de guerra da princesada. E muito mais nessa estrada...
E muito mais do que isso o povo se revoltou, pegou em armas, ameaçou, jurou lutar pelo sonho que abraçou. Raivoso com o que cismou, foi baleado e baleou, fez da indignação seu motor. E teve gente, feito serpente, cortou caatinga no sol ardente e fez uma guerra sem precedente. O nordestino tão destemido se viu num meio desiludido, e com a revolta de atrevido desafiou até o desconhecido.
Assim surgiu Virgulino, o Capitão Lampião, lutando contra a volante nas caatingas do sertão, combatendo a tirania e a injustiça social, tudo que prevalecia e fazia tanto mal. Aprendeu a mesma lição que outros líderes do sertão, o brilhante Jesuíno, o destemido Antônio Silvino, e tantos com o mesmo tino, na caatinga se jogando tendo na morte o destino.
E também o Conselheiro, missionário verdadeiro, que cruzou chão por inteiro pregando a indignação contra a política de então, empobrecendo o fraco e enriquecendo a nação, trazendo junto consigo, após cada discurso e sermão, centenas de seguidores para a vida em comunhão. Então fundaram um arraial para viver e produzir, jurando de fogo a sangue às tropas do governo resistir, sabendo que não adiantava tanto tempo insistir na luta do vale tudo para destruir seu Canudos.
Quando se fala em sertão não se pode esquecer, por razão, de Pedra Bonita, Canudos ou Juazeiro, nas procissões de penitentes, em tantos crentes e descrentes, que geraram misticismos e até mataram inocentes. Parecia o fim do mundo com um povo a guerrear, tendo Deus no coração e na boca a indignação, tendo numa mão uma cruz e na outra um mosquetão, fazendo do fanatismo para as mazelas a solução.
Mas nessa mesma paisagem, de tanta luta e gente de coragem, ainda se pode ver outros cenários sem se fazer camuflagem, que são próprios dessa terra, que na diz que enterra porque é na raiz que se encerra. Basta ver a mataria, a natureza com tristeza e alegria, o entardecer, o amanhecer do dia, os bichos que correm em euforia, a passarinhada em cantoria, o bicho brabo que arredia, a planta que brota e se irradia, na esperança do dia-a-dia.
Tem catingueira, tem pé de cana, tem sucuri, tem caninana, tem milho verde e tem banana, tem Seu Antonio e a Donana, tem uma raça que dele emana, é uma república que se proclama, um estado forte que nasceu aqui, com a bandeira do irmão servir, na fé divina e no persistir.
É o sertão parecendo um paraíso, em cada canto, cada sorriso, desafiando se for preciso para mostrar que a vida no improviso é o jeito de ser que imortalizo, que digo ao doutor mais indeciso, que nesta terra não há diviso, senão entre a luta e o seu repiso.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com.br
blograngel-sertao.blogspot.com.br

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