SUA VIDA, SEGUNDO A VIZINHA
Rangel Alves da Costa*
Não se avexe, não se preocupe, não se espante, tudo indica que ela gosta de você. Toda vizinha tem fama de faladeira, de fofoqueira e de se meter onde não deve, mas a sua parece que nem mora ao lado, principalmente por causa do muro alto de sua casa.
Vivendo na sua fortaleza, com muros por todos os lados, com os portões e portas sempre fechados, realmente não haveria nem como alguém se intrometer em sua vida, no que faz ou deixa de fazer. Acho que é por isso que fica tão imune aos contumazes falatários.
Sabe como é esse povo, não é, pois quando não sabe inventa, faz de uma pedrinha um rochedo, é mestre em espalhar tirinhas que viram jornais, observam até a hora que você chegou e saiu, se estava sozinha ou não, qual a cor da roupa e a marca do sapato, se combinou a bolsa com o cinto.
A cor do batom. Pois é, até a cor do seu batom se torna muito importante para a vida dos outros. É coisa de vida ou morte, vixe Maria! Mas é melhor que vejam você toda arrumada, pois vão falar por inveja. De qualquer modo é sempre melhor quando os outros se lascam a falar por inveja.
Do contrário, logo começa a conversinha que a tal que mora ali não sabe nem se vestir, anda toda malafronhada, sem nenhum brilho no rosto ou joias pelo corpo. E se você as tem, mas não usa é porque é pobre, pobre pobre de marré-deci!
Mas você não tem nenhum problema com isso, principalmente porque mora numa fortaleza, entra e sai com o carro diretamente da garagem, não tem tempo para passear pelas vizinhanças nem fazer amizades com ninguém. Somente às vezes e muito raramente, quando sai com o raçudo pra passear é que percebe que há um batalhão de olhos lhe observando e pensa que enfim alguém lhe conhece por ali.
Menos mal, pensa. Mas era melhor nem pensar tais olhares como fatos corriqueiros da vizinhança. Você imaginou muitos olhos lhe olhando, mas imaginou quantos ouvidos ao lado desses olhos e quantas bocas estão um pouco mais abaixo? Você já imaginou o que dizem, o que falam, o que comentam, o que estão inventando? Se eu fosse você tinha mais cuidado.
Tenha mais cuidado porque sua vizinha que você não conhece já espalhou seu currículo, sua ficha completa, seus antecedentes por todos os lugares. E fez isso porque não conhece você, se conhecesse talvez não andasse espalhando que você quer ser mais importante do que tudo e por isso mesmo não fala com ninguém dali.
O problema não é só falar com o povo das redondezas, mas dizer que não se mete com povo pobre, feio, malvestido e mal-educado. Você nunca falou com sua vizinha, mas ela ouviu isso tudo de sua boca, ouviu você dizer isso e muito mais, e é por isso mesmo que ela está espalhando. Se fosse não fosse abrir a boca estava livre dessa. Agora tem que dar um jeito pra contornar a situação.
E tem mesmo que dar logo um jeito porque sua vizinha passou pra uma vizinha, que passou pra outra e assim por diante, que o povo dali nem chega aos pés de sua família, parece que não tem nem raça nem sangue, uns zé-ninguém que são. Segundo a vizinha, você disse isso e pediu por tudo na vida que não dissesse a ninguém, mas como o caso era de desonra, ela achou melhor espalhar.
Eu sei que você tem certeza que nunca falou nada disso a ela, que nem em sonho nunca deu bom dia nem boa noite. Ocorre que quem tem vizinha não precisa nem falar, pois ela cata o pior de sua boca e simplesmente sai por aí fazendo o seu conceito. É por isso que todo mundo gosta de você na vizinhança, inclusive a vizinha. Tenha certeza que você é a razão de ser da vida dela.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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