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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 1 de janeiro de 2011

FLORES PARA IEMANJÁ (Crônica)

FLORES PARA IEMANJÁ

Rangel Alves da Costa*


A igreja do meu coração estava em festa. O meu Deus fazendo um sermão somente para minha fé. Velas acesas, os anjos cantando ao redor e o meu agradecimento por tudo na vida e por tudo na minha vida. Se tudo é desígnio de Deus, temos de agradecer pelo que nos concede.
Boa parte dessa noite foi dedicada ao meu encontro com aquilo que é meu pilar de existência, alicerce maior que me fortalece em tudo. Mas o silêncio da minha igreja já estava sendo interrompido pelos sons barulhentos dos fogos que ainda cedo começaram a cortar as feições da noite e a riscar os céus com mil brilhos.
As pessoas começam a comemorar as coisas muito cedo ao meu redor. As casas iluminadas, pessoas entrando e saindo, pequenos grupos em conversas, estranhos passando apressados para as festanças e as queimas de fogos. No último dia do ano parece não haver lugar para reflexão, apenas para comemoração. Infelizmente é assim.
Mas não sou de festas, não vivo de comemorações distorcidas, não me atenho aos festins bebidos no cálice do instante volúvel, não belisco dos petiscos das amizades ocasionais. Por isso mesmo é que me afasto dos abraços de momento, das felicitações pontuais, de tudo aquilo que somente é lembrado nos momentos que antecedem a passagem de ano.
Ninguém me venha, pois, com espasmos de desejos de felicidades, de uma vida repleta de tudo, de um ano novo radiante e que consiga tudo aquilo que deseja. Tudo isso não vale nada se manifestado mecanicamente, da boca pra fora, como se todo mundo devesse receber felicitações impressas. Ora, ontem e antes de ontem, um mês atrás e sempre, essas mesmas pessoas passavam e fingiam que nem estavam reconhecendo.
Sou de realidade, pessoa com outro pensamento e crente noutro destino, construído na dureza da labuta cotidiana e na imensa que tenho no meu Deus e nas entidades espirituais que impulsionam a corda daquele que incessantemente vai puxando a vida. Por isso mesmo creio em outros deuses, outros seres do bem que fazem dos encantamentos um modo de tornar a vida mais encantada. Por isso sou de Iemanjá, sou da fé, sou do mar...
No meu passo seguro, envolto por um mundo que é só festa, alcanço a orla, a beira da praia, a margem das águas e começo a ouvir o cantar das ondas pedindo que cante uma música para sua deusa Iemanjá. Não sou de cantar nem de falar, sou de amar e se expressar esse amor. Então jogo fora o chinelo, seguro no braço o cesto de flores que levo comigo e vou caminhando lentamente até onde o pé começa a molhar, até onde ela vem me receber, até onde ela vem estender suas mãos para me abençoar.
Levo para ti, Iemanjá, flores somente brancas, flores de vida e de sina, flor de amor, flor de menina, flor de paz e de guerra, flor da noite e do dia, flor de versos e de poesia. Levo flores que sou eu com meu grito e meu silêncio, meus desejos e planos, meus sonhos e tudo que tenho agora. Aceite, mãe Iemanjá, aceite, é com amor, é de coração.
E minhas mãos se erguem a espalhar jardins, a beijar as flores e ofertar a ti, deixando que as ondas levem ao teu berço encantado mil rosas brancas, primeiro amor, borboletas, orquídeas, margaridas, copos de leite. Flores brancas de casamento, Iemanjá, pois quero casar contigo.
Não trouxe o abebé prateado, o alfange, o agadá, o obé, o peixe, a couraça, o adê, os braceletes nem as pulseiras. Mas trouxe também perfumes, alfazemas, lavandas e águas de cheiro. Quero te ver bonita Iemanjá, toda encantada e cheirosa, enfeitada com flores de beleza e fé. Repleta de amor e axé!




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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