SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

NÃO QUERO SABER SOFRER (Crônica)

NÃO QUERO SABER SOFRER

Rangel Alves da Costa*


Consta que Anatole France teria dito que sabendo sofrer, sofre-se menos. Mas que sublimação e ceticismo do nobre escritor francês!
Não abri alicerce, não coloquei fortificação, não levantei paredes e muros para que aquilo que não foi convidado queira se esgueirar e depois entrar. Daí que também coloquei portas e janelas. E por que haveria de dar guarida ao sofrimento?
Todo sofrimento, por menor que ele queira parecer, sempre vem acompanhado de companhias inseparáveis e indesejáveis, tais como a angústia, a tristeza, o entorpecimento, a desilusão e a maldita da dor.
No espaço do seu coração que mal cabe alegria, de repente haveria lugar para abrigar, mesmo que por momentos, tanta erva daninha, tanta praga a querer se instalar de vez ou, quem sabe, deixar resquícios para serem despertados quando menos se espera?
De tudo que envolve o sofrimento, inegavelmente que a dor é que demarca mais fortemente a sua presença. Ora, a dor é o grito do sofrer, é o gesto absurdo do padecimento, é o canto lúgubre da agonia e da aflição. Não, porque não, teu caminho é outro, na minha estrada não...
Não é a razão do homem o seu diferencial de outras espécies? Pelo que sei passarinho morre de tristeza, papagaio emudece diante da angústia, o lobo solitário uiva de solidão, a cobra se engole pelo rabo diante da desesperança.
E por que exatamente aquele que é racional haveria de dar bom dia à tristeza, deixar que entre a saudade, dar abrigo e moradia à solidão, acolher na escuridão do seu quarto o grito silencioso dos desesperados?
Aquele que tanto sofreu em nome do homem, e por isso mesmo foi crucificado, compreendeu na sua dor que ninguém quer tirar uma só gota de sua alegria para acalmar a sede angustiante do outro. E ainda assim desceu dos céus para novamente chamar para si os sofrimentos que seriam do próprio homem. E é por isso que todo mundo quer ter a felicidade sem construí-la.
É dessa felicidade adquirida a todo custo, e jamais construída no zelo e paciência, que se banha e se veste o homem no seu dia-a-dia, sem estar preparado para as dificuldades que inexoravelmente surgem a todo instante. Daí surgir o sofrimento quando o vento sopra, o pássaro canta, a chuva cai. E quando vierem os temporais, as tempestades e os vendavais? Ora, se soubesse que o sofrimento existe não sofreria tanto.
E por que sei que ele existe, persiste, é danado de ruim e insistente, não admito que ele me chegue como um desconhecido, amedrontando e fragilizando para depois fazer a festa. Há uma entrada sim, mas nem toda pretensão pode ser chegada.
Porta aberta é quem recebe o que não está esperando; corpo desprotegido, sem fé e sem oração, é hospedeiro do estrangeiro que nunca quer coisa boa; viver tristonho sem ter motivo é forrar a cama para a agonia deitar. Nenhum mistério nisso, apenas ensinamentos para saber que o inesperado pode fazer uma surpresa.
Mas que nenhuma surpresa chegue como sofrimento, porque haverá primeiro de derrubar o muro da minha felicidade. Construído com o suor da árdua sobrevivência, com o pó das noites estreladas da insônia, com o ferro das minhas veias e o cimento do meu olhar que petrifica, este muro espera o sofrimento assim como o animal espera o balde de água fria.
E se for brigar comigo, chantagear, disser que vai terminar, tudo bem. Talvez até que você consiga me fazer sofrer, mas somente porque ainda não aprendi a zombar da infelicidade do outro.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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