Rangel Alves da
Costa*
No meio do
sertão, a árvore que é o seu coração, simbolizando a devoção do homem pela
paisagem, do sertanejo e seu rincão. Tão seca numa estação, numa magrez de
então, para florar adiante, e que bela floração.
Por isso
canto a catingueira fincada no meu coração, pois também nasci na terra onde ela
mostra a feição, cabocla por natureza, reinando na região, vencendo seca e
estiagem, firme no seu torrão.
Arbusto
preferido por Lampião, que no seu tronco dobrado traçava plano de ação,
cochilava sem dormir e fazia sua oração. E junto com seu bando saía
entrecortando o sertão, na curva da catingueira, na folha miúda de tanto
desvão.
Certa
feita o Capitão, cansado da imensidão, encontrou a catingueira e lhe fez a
confissão. Disse que era tronco se curvando sem perdão, depois de tanto florar
chegava à última estação, e não ia muito tempo se findaria no chão.
Canto a
catingueira, arvoredo de mataria e ribeira, testemunha daquela vida bandoleira,
leito bom de dormideira, amiga da umburana e também da aroeira. Esguia, mas
altaneira, de galhagem fina e tão brejeira.
Catingueira
de entardecer sertanejo, um véu causando lampejo, nos olhos um imenso desejo de
repetir o versejo, uma cantiga de realejo na saudade que marejo. A vida com seu
traquejo, debaixo da catingueira a felicidade que almejo.
Catingueira
testemunhando o vaqueiro galopando, a bicharada berrando, a vida vaqueira
passando, a poeira esvoaçando. Canto de aboio aboiando, a poesia se declarando,
vaqueiro e boiada se enlaçando na curva que vai poeirando.
Testemunho
vivo de uma história passada, de caminho e jornada, de uma vida ao redor, de
gente na empreitada. Rodeando a catingueira, seguindo pela estrada, levando no
ombro a foice, enxadeco e enxada, um viver de tanta luta, uma esperança
avençada.
Catingueira
que tem ninho, ninhada de passarinho, bicho que chega sozinho pra ficar um
bocadinho e vai construindo a casa. E num canto escondidinho, aos poucos e
devagarzinho coloca pena e graveto, um pouco e um tantinho, do conforto o
caminho, o ninho do passarinho.
Catingueira
que chorou quando o sertão esturricou, todo passarinho voou, o bicho desfigurou
numa tristeza que só, com a seca que chegou e logo se alastrou. Perdeu galhagem
e folha, o corpo todo secou, tanta agonia e tanto dor com a notícia que chegou.
Com a seca duradoura perdeu tudo quem plantou, quem ainda tinha água de repente
enlameou.
Catingueira
sentiu, catingueira chorou, e tanto lacrimejar sua seiva derramou, ficou ossuda
e doente, por pouco não se curvou. Quase vem a morte certa, como muitos
derrubou, num sofrimento terrível, num grito que ecoou implorando chuvarada,
dizendo aqui estou pronta para morrer, pois o sertão também sou.
No seu
tronco viu amarrado bicho valente e gente, num mundaréu descontente, de luta a
mais temente, mas também de covardia, injustiça tão inclemente. Sentiu escorrer
sangue ardente, cena tão deprimente que sentiu aquela dor sentida e que não se
sente. Não podia fazer nada, pois violência de gente por cima de inocente.
Mais dia e
menos dia, quando o sol mais que ardia, o viajante em correria chegava em
agonia. Deitava no sombreado, no descanso que queria, contava folha por folha e
logo adormecia. Sonhava um sonho bom, diferente do que vivia, e despertava num
susto e logo adiante seguia.
Catingueira
tão amiga da vida de Lampião, ouvindo segredo do bando e de todo o sertão,
conhecendo o passo e o destino do Capitão. Um povo apressado, não ficava muito
não, qualquer barulho ao redor e a arma já na mão, em tudo a desconfiança, em
tudo a afobação. Vamo embora, vamo embora, e sumia pelo mundão.
Catingueira
que um dia sentiu a maior alegria ao conhecer o amor, coisa que nem sabia. Um
rapazote chegou e viu que ele escrevia com canivete no tronco o nome de uma
Maria. Dentro de um coração a palavra tão poesia, o nome de seu amor, aquela
que mais queria. Ainda hoje no tronco está o amor que existia.
Catingueira
envelhecida, muita estrada percorrida. Sabe que morre um dia, que vai dar adeus
à vida, mas não quer morrer matada por uma arma enxerida, uma serra ou um
facão, nada que lhe abra ferida, bastando ser pela idade, pela velhice sentida.
Depois de
um entardecer, deitará o tronco na sua terra querida. Silêncio da catingueira,
sem adeus nem despedida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Bom dia, Rangel. Linda a tua crônica poética. As árvores vivem muito mais que os homens, e portanto, são testemunhas de muitos eventos. O novo formato do teu blog tornou a leitura bem mais confortável.
Caro Professor Rangel: De forma proveitosa e positiva para mim, você e o Professor Mendes estão me "obrigando" a aprender pesquisar. É o caso da sua crônica CANTIGA DE CATINGUEIRA. Nós aqui em minha região não conhecemos a referida planta por este nome, e sim por pau-de-rato. Foi preciso que eu pesquisasse para ver a foto da mesma, com suas flores e vargens. Gostei imensamente da sua crônica poética. Parabéns e já passei para meu HD, mesmo sem sua permissão, assim como outras matérias escritas por você e por outros companheiros desse vasto sertão nordestino. Também não sabia que a planta catingueira servia muitas vezes de abrigo para os cangaceiros. Sei sim, que o umbuzeiro servia de abrigo para eles, devido a sua frondosa copa, para amenizar o calor do sol causticante do sertão nordestino. Abraços, Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista-Serrinha-Ba. Email:antonioj.oliveira@yahoo.com.br
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