Rangel Alves da
Costa*
Ainda se
discute acerca da origem do nome sertão. Para alguns, o termo é originário do
costume colonial português de identificar como desertão as regiões mais
distantes e desabitadas. As terras distantes, pois, muito desertas, se
afeiçoavam a um desertão. O tempo foi cuidando de expurgar o “de” e preservar
apenas o “sertão”.
Já outros
defendem a ideia de o termo haver surgido a partir de sertã, oriundo do latim
“sartago”, que em Portugal serve para identificar uma frigideira larga e rasa.
Assim, aquelas terras distantes seriam como uma frigideira escaldante, abrasada
de sol, fervente pelas prolongadas estiagens que caracterizam a região. Seria o
sertão uma frigideira torrando tudo que nele habita.
Fala-se
ainda na sua origem como “certão”, também trazido pelos portugueses que assim
denominavam as regiões mais interioranas de seu país; “celtão”, termo de origem
angolana para designar uma distante região de mataria; ou ainda como “sertão”
mesmo, como utilizado no diário de viagem de Vasco da Gama, mas como querendo
indicar aquilo distante do centro, ou seja, um ser que é tão longínquo: sertão.
O conceito
geográfico, ainda que apenas ocultamente, traz consigo todas as possíveis
origens do termo. Tanto o sertão como um “desertão”, quanto o sertão como uma
“frigideira”. Deserto no sentido de região inóspita, seca, de difícil
habitação, distante de tudo. Panela fervente no sentido do clima seco,
calorento, esturricado. E também certão como região interiorana, celtão como
região de mataria e sertão como algo distante do centro ou do litoral.
Daí dizer
a geografia que o sertão é uma região agreste, de vasta dimensão, de clima
semiárido, com poucas precipitações pluviométricas e longos e constantes
períodos de estiagens. Ou ainda como a região semiárida do nordeste brasileiro
caracterizada pelo clima seco e quente e escassez de chuva, de vegetação com
predominância da caatinga, plantas cactáceas e arbustivas. E a geografia humana
não se esquece de afirmar ser a região mais empobrecida do país.
A
conceituação geográfica certamente jamais mudará. Os livros continuarão
ensinando ser o sertão lugar de aridez, de secura, de desalento. Outros
contextos se voltarão para falar nas imensas e persistentes desigualdades
sociais, nas aflições advindas com cada período de seca, naquelas dimensões
nordestinas como cenário e palco de tantas vinditas sangrentas. E,
infelizmente, mesmo que os novos tempos provoquem transformações, os problemas
ainda continuarão sendo muito maiores que as soluções encontradas até agora.
Mas um
fato sorrateiramente ameaça o sertão e este não pode ficar despercebido, ainda
que se possa dizer que são os frutos do progresso que chegaram àquelas distâncias.
Mas o dito progresso não tem o dom de apenas transformar para pior o que já se
encontrava em lamentável situação. E a verdade é que o tempo se tornou num
inimigo cruel para o sertão e o sertanejo. Desde o seu aspecto tão conhecido ao
modo de viver de seu habitante, tudo se transformou negativamente.
Alguns
exemplos servirão para mostrar o quanto o sertão foi sendo totalmente
descaracterizado ao longo dos anos. Não que se imaginasse a perpetuação, por
exemplo, de uma região nos mesmos moldes dos primeiros desbravamentos ou
naqueles existentes nos tempos cangaceiros do século passado. Mas uma coisa se
diga como verdade: não há mais o sertão da catingueira, da mataria fechada, dos
bichos entocados e escondidos pelas moitas, das famílias se reconhecendo no
mesmo sangue.
Atualmente
está tudo mudado. O sertão continua existindo apenas conceitualmente, nos
livros ou na visão que o sulista ainda possa ter. Quem vive por lá ou coloca os
pés naquelas vastidões sabe muito bem que tudo está muito diferente, tudo foi
transformado em nome dos novos tempos. E como as devastações, as degradações, o
desmatamento, a extinção de espécies da fauna e da flora, os modismos nefastos,
a quebra das tradições e das manifestações próprias de um povo, são frutos
desse novo tempo, então se tem que o sertão foi afetado pelos mesmos
malefícios.
Quem se
lembra daquela frutinha pequenina, geralmente amarelada, doce feito mel
sertanejo, chamada araçá? Recebe dois vinténs de cobre quem conseguir uma cuia
do fruto do araçaizeiro. Certamente terá a maior dificuldade do mundo para
encontrar, e não só o araçá como uma imensidão de frutos do mato autenticamente
sertanejos. E isto acontece porque o mato, a mata, a vegetação típica,
praticamente sumiu da região.
As
investidas na região do movimento da reforma agrária, com o conseqüente
assentamento de centenas de famílias, acabaram devastando ainda mais a já
empobrecida vegetação. Com o intuito de preparar os lotes para plantio, os
assentados acabam derrubando tudo que seja catingueira, umburana, angico, além
de toda mata arbustiva. Consequência é o desaparecimento das plantas nativas, a
desertificação, a extinção de inúmeras espécies de animais.
Para se
ter uma ideia, morrerá de fome aquele empobrecido sertanejo que precise
adentrar na mataria à caça de bicho de mato para sustentar a família.
Simplesmente não há mais o habitat da espécie, tudo foi derrubado, queimado,
devastado. O calango e a lagartixa ainda persistem porque gostam de fazer
moradia nas pedras grandes, mas o preá e o araçá se tornaram verdadeiras
relíquias.
Ali, pois,
jaz o sertão. E nem precisa dizer onde e como está o autêntico sertanejo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Caro Rangel: Tudo bem! Animais desaparecendo; escassez das plantas das nossas caatingas. O meio-ambiente sofrendo pelas queimadas etc, etc. Contudo, no seu penúltimo parágrafo você fala sobre os assentamentos, mas, eu creio que o que vai corrigir parte das nossas deficiências é uma reforma agrária muito bem organizada e fiscalizada. Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba.
Pois bem Professor Rangel: Você me deixou a par de algo que eu não conhecia. Para mim tudo ocorria em plena harmonia após cada solução de assentamento. Veja como são as coisas: Sempre estou aprendendo com as pessoas experientes. Você como advogado e filho de um município onde esse tipo de coisa (prejudicial) acontece, tem sempre a nos ensinar. Muito grato. Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba.
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